“O livro dos espelhos”: em segundo livro-disco, multiartista brasiliense Marianna Perna coloca a alteridade em foco ao mesclar poesia e música

Publicado pelo Selo Auroras, da Editora Penalux, “O livro dos espelhos” da multiartista e pesquisadora aborda questões existenciais e civilizatórias a partir da experiência de um corpo-mulher.

“Sentada ao piano, ela mesma dedilha melodias enquanto entoa seus versos num tom que parece vir do futuro. As palavras chegam robóticas, envolvidas pelos ecos das máquinas, num jogo de reverbs que nos leva, mais uma vez, de volta aos reflexos espelhados. As palavras se dividem e se multiplicam num estilhaçar harmônico que se espalha ouvidos adentro, refazendo a poesia que antes, nas páginas no livro, pulsava no silêncio.”

Juliano Gauche, músico e escritor, no posfácio

“Os versos ligeiros se engrandecem, viram árvores nas páginas da floresta escura que Marianna Perna criou para perder o próprio Eu, mesmo sabendo que não há como escapar de si.”

Mariana Lancellotti, psicanalista e escritora, que assina a orelha da obra

“O livro dos espelhos”, segundo livro-disco da performer, pesquisadora e poeta Marianna Perna (@dasvozespoesia), é um convite a uma reflexão profunda sobre o entrelace entre o Eu e o Outro na descoberta e entendimento da alteridade. Publicada pela Penalux (2023, 136 pág), a obra faz parte do Selo Auroras, projeto dedicado apenas à literatura produzida por mulheres, e tem a quarta capa assinada por Dani Costa Russo, jornalista e escritora que faz a curadoria e a edição dos livros do selo.

Com um time de peso envolvido na apresentação do projeto ao público, vale destacar que os paratextos foram escritos pela psicanalista e escritora Mariana Lancellotti (orelha), pela escritora e pedagoga Fernanda Pacheco (prefácio) e pelo músico e também escritor Juliano Gauche (posfácio). O livro-disco também conta também com fotos especiais tiradas por Subtil Jéssica e contribuições musicais do músico, produtor e engenheiro de som Eduardo Recife e pelo músico João Sobral.

Natural de Brasília, Marianna vive na capital paulista desde a infância e se faz ativa na cena paulistana como escritora e poeta desde 2015. Também é historiadora, mestre em filosofia, produtora cultural e pós-graduanda em Psicologia Transpessoal. Além disso, é fundadora da Casa Urânia, espaço multiartístico & terapêutico em São Paulo.

Livro-disco: proposta dupla e híbrida de música e poesia

Construído com versos curtos, nascidos para serem declamados ou musicados, “O livro dos espelhos” trata do atravessamento da descoberta de si e do mundo que um outro ser humano representa. Marcado pela importância da arte e da poesia nesse processo, a conexão entre música, palavra e imagem ajuda a evidenciar a importância dessa temática em um mundo que tende a ser cada vez mais individualista.

Essa proposta dupla e híbrida de música e poesia, de spoken word, pianos e sintetizadores se concretiza numa trilha completa que, numa parceria com o Selo Lyra Noise (da produtora e poeta Cris Rangel) e distribuição pela YB Music, foi disponibilizada nas principais plataformas de streaming musical.

Dividida em 3 EPS e misturando um pouco a ordem das faixas originais, a ideia é propor um caminho de escuta poética que funcione como obra musical e ao mesmo tempo possibilita os ouvintes conhecerem o trabalho de Mariamma para, assim, chegarem ao livro. O primeiro EP, denominado “Espelhos são ficções”, foi lançado em meados de setembro. “Filha da vertigem” e “Memento mori” têm lançamentos previstos para os próximos meses.

Segundo a autora, o livro-disco surge como uma provocação e uma angústia frente a esses modos de (não)viver e destaca: “O livro acaba sendo também um processo e um percurso para a elaboração e compreensão de tudo o que me move, atravessa, decantando as percepções e sensações, para compor esse espelho multifacetado e caleidoscópico no final, que se mostra como (tudo) o que somos”.

O livro dos espelhos
Marianna Perna

Olhar para o Outro é para a literatura de Marianna um resgate

O primeiro livro-disco de Marianna foi “A Cerimônia de Todas as Vozes” (Urutau, 2018), a estreia de sua verve performática e musical. Agora, cinco anos depois, “O livro dos espelhos” dá continuidade a esse processo. Marianna tem se dedicado já há algum tempo às intercessões multidisciplinares entre som, corpo e consciência, em um exercício de diálogo entre arte, ciência e o olhar terapêutico, com vias ao reencanto do ser: o resgate da sensibilidade, das ancestralidades e da espiritualidade.

Durante a escrita da obra, a poeta conta que lia e relia Hilda Hilst, Orides Fontela e Antonin Artaud, como sempre faz, e estava em contato próximo com o trabalho de Herberto Helder, mas destaca que “Filosofia do zen budismo”, de Byung Chul-Han, foi o que virou a chave de seu processo criativo. “Venho lendo todos seus títulos desde 2016, e esse livro caiu como uma luva, por ser uma crítica à sociedade ocidental a partir da filosofia, comparando visões/autores ocidentais com a oriental, mais especificamente do zen-budismo e em dado momento ele usa literalmente a figura do espelho para tecer essa crítica à nossa sociedade narcísica e não aberta à alteridade, ao radicalmente diferente, porque isso é apavorante.”

Além dos autores já citados, suas referências incluem Sylvia Plath, Alejandra Pizarnik, Patti Smith, Audre Lorde, Jim Morrison, Clarice Lispector, Ailton Krenak, Silvia Federici, Jung, dentre muitos outros. Seu gosto perpassa literatura e filosofia, tendo um apreço especial por mulheres escritoras que fazem também reflexões existencialistas diante do corpo-mulher que a autora propõe.

Toda essa bagagem influenciou em algumas decisões da obra, como no uso de pequenas epígrafes ao longo do livro. Para Marianna, essa escolha promove um diálogo direto dela com muitos desses nomes e a importância disso se dá porque ela realmente se interessa pela escrita e pela ideia de muitas pessoas, e considera que tudo isso a compõe inescapavelmente. Além disso, afirma: “Minha reflexão passava também pela constatação que somos continuidade e continuação do que veio antes, recriações, e que isso também pode ser libertador”. Para a autora, o próprio artefato livro é um espelho. “Mesmo lendo outra pessoa, estamos sempre nos vendo, de alguma forma, em algum nível. É um espelhamento: ele nos oferece algo nosso, mesmo que seja do outro.”

Confira um trecho do livro:

“Miragens de mim mesma
Mão vista de fora
Pontal do desejo

Bastar-se sutil, imóvel
Dentro do olho paisagem”

Adquira “O livro dos espelhos” no site da Editora Penalux: https://www.editorapenalux.com.br/catalogo-titulo/o-livro-dos-espelhos