O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão, novo livro de Milena Martins Moura, explora o sagrado e o desejo feminino em versos intensos e subversivos
O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão, novo livro de poesia da escritora, tradutora, editora e pesquisadora Milena Martins Moura (@milena.martins.moura) ousa ao trazer o sagrado para o terreno humano do corpo e do desejo femininos. Publicado pela editora Aboio (112 p.), a obra conta com todos os paratextos assinados por poetas mulheres. A orelha é de Anna Clara de Vitto, coordenadora do Clube de Escrita para Mulheres, o prefácio é da editora e crítica literária Priscila Branco e o posfácio é de Paula Glenadel, escritora, tradutora e professora de literatura francesa da UFF.
“A poesia de Milena se ri do pecado imputado. E multiplica e divide o pão.”
Trecho da orelha de Anna Clara de Vitto
“Em O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão, o único milagre possível é o ato poético, como afirma Milena em “ofício das mortes”: “Eu estou escrevendo / Isso é um milagre”.”
Trecho do prefácio de Priscila Branco
“Entre dor e afirmação vital, o livro caminha, assim, em direção a uma espécie de ‘experiência interior’, onde a transgressão só vale enquanto lampejo provisório de resposta, pois o que seria dela se eventualmente se transformasse na fixa e sólida lei?”
Trecho do posfácio de Paula Glenadel
Com coragem, a poeta aborda religião, erotismo, dessacralização do sagrado e as interdições relacionadas à liberdade feminina, em versos que trabalham a palavra como ferramenta de autonomia. Priscila Branco destaca, já nas primeiras linhas do prefácio, que essa coletânea de poemas é subversiva, já que apresenta uma completa inversão da tradição judaico-cristã, instaurada em nossa sociedade por milênios. E argumenta: “O próprio ato de escrita e, agora, de leitura deste livro é a luta contra o sacrifício. Que a poesia possa sempre dar voz ao cordeiro e aos pecados, e que todo leitor encontre um pedaço desse pão, mesmo que a coberta esteja molhada em dias frios.”
Também nesse sentido, Paula Glenadel apresenta, no posfácio, uma análise sobre a abordagem audaz de Milena nessa obra. Segundo ela, a fome e a sede são imagens que atravessam praticamente todos os poemas do livro. Para a professora, essas cenas se estruturam em duas amplas séries de substâncias, a do pão, do vinho ou da água; e a da carne e do sangue, diante das quais o sujeito se exercita na ocupação de lugares moventes. E essa transubstanciação, em suas palavras, “põe em evidência a inoperância da transferência sacrificial tradicional, incapaz de aplacar essa sede e, sobretudo, essa fome”.
Em O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão, as mulheres existem como seres desejantes e é do desejo que o direito à subjetividade surge. Para a autora, trabalhar esse tema sob essa perspectiva era algo inescapável, além de um ato político em desejo de si e de outras: “Eu sou uma mulher que foi criada sob o tacão da culpa e que cansou de enxergar seu desejo como um erro e seu corpo como sujo.”
“Tentei fugir à exigência de que um sujeito neurodivergente só deva falar sobre seu transtorno”
Milena Martins Moura — diagnosticada como autista em nível 1 de suporte já adulta — compara seu processo de escrita e de estilo adotado no novo livro ao do anterior, A Orquestra dos Inocentes Condenados. “O Cordeiro teve uma clara intenção de abandonar o estilo aplicado no livro anterior, que se voltava sobre a solidão pandêmica de uma perspectiva do sujeito autista. Conscientemente ou não, busquei outra temática e outra forma poética, tentando fugir à exigência de que um sujeito neurodivergente só deva falar sobre seu transtorno”, frisa Milena. “Este é um livro que traz uma poética mais densa e obscura, com referências religiosas que remetem à criação católica que recebi e da qual me rebelei eventualmente. Uma poética que dessacraliza o sagrado, o traz para o terreno humano e lhe dá corpo e desejo. E que coloca também o corpo feminino como desejante.”
Sair do isolamento social, para Milena, foi também sair de um tipo de armadilha psíquica que a libertou para abraçar novos temas, imagens e formas. “O livro nasceu lento, mas muito coerente. A escrita deste livro foi justamente o que abriu meus olhos para como o erotismo escrito por mulheres tem se desenhado hoje, o que levou à minha pesquisa de doutorado sobre o tema”, aponta.
O corpo feminino como desejante: a poética de Milena Martins Moura
Milena Martins Moura nasceu no subúrbio do Rio de Janeiro em 1986. É poeta, editora, tradutora, mestre em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e doutoranda em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Publicou os livros Promessa Vazia (Multifoco, 2011), Os Oráculos dos meus Óculos (Multifoco, 2014) e A Orquestra dos Inocentes Condenados (Primata, 2021), além do plaquete digital de poesias Banquete dos Séculos (edição da autora, 2021). Também é editora da revista cassandra e da Macabéa Edições.
Suas principais referências literárias são Leila Miccolis, Viviane Mosé, Caio Fernando Abreu, Adélia Prado, Bruna Mitrano, Manoel de Barros, Sylvia Plath e Hozier (cujas letras, repletas de erotismo, considera poesias musicadas) Como lê muita coisa de variadas temáticas, a poeta considera que O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão não sofreu influência direta de nenhum nome específico, mas esses interesses, desconexos entre si, acabaram fazendo parte do processo de escrita da obra de alguma forma.
Capa do livro: O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão | Imagem: Ilustrativa
Confira o poema “evangelho segundo o pecador”:
me quero aberta em cálice e vinho e pão
fenda rasgada de ritos
hábito deitado à fogueira
onde abrasam as peles recém-expostas
a carne viva pulsa porque viva
porque crua porque fera e primeira mulher
serpente e desfrute
me quero imersa corpo inteiro no indevido
lambendo o caminho desviado
com a mesma língua
dos cânticos
o sacro e o santo
molhados da espera
com a sede dos abstêmios
e dos crédulos em desgraça
e eu graal sacrílego
estou nua e disso não me envergonho
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