Clássico do formato, “Acústico” de Rita Lee sai pela primeira vez em vinil. Em uma combinação perfeita de voz, repertório e produção, disco duplo manifesta a cada audição: Rita é a maior!

Por Guilherme Samora*

Rita Lee havia lançado seu álbum “Santa Rita de Sampa” (1997) quando recebeu o convite para fazer o “Acústico MTV”. O chamado era mais do que justo: primeiro, pelo vasto repertório de Rita; segundo, pois ela havia sido pioneiríssima no formato, em 1991, com “Bossa’n’roll”, um show de banquinho e violão aclamado pela crítica e pelo público. Gravado no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, nos dias 4 e 5 de junho de 1998, o show – que na época foi lançado em CD, VHS e DVD – sai pela primeira vez em vinil pela Universal Music. E com tratamento luxuoso: vinil duplo, laranja-avermelhado e marmorizado, com direito a capa gatefold.

Diferentemente do “Bossa”, dessa vez a banda era parruda. Rita no violão e em vários outros instrumentos, como kazoo, blower e whistle; o parceiro de vida e de música Roberto de Carvalho, que assina a produção, a direção musical e arranjos, no violão, piano e gaita; Beto Lee no violão, bandolim e lap steel; Lee Marcucci no baixo acústico; Paulo Zinner na bateria; Ary Dias e James Muller na percussão; Guga Stroeter no vibrafone e Mauro e Maurício nos vocais, além de cordas e metais.

O disco abre com a banda preparando uma atmosfera densa para “Agora Só Falta Você”, o primeiro single, que atingiu o topo das paradas. “Jardins da Babilônia” – que organicamente também acabou tocando muito nas rádios – e “Doce Vampiro” completam a trinca de clássicos da abertura. Em seguida, com sua “voz de trovão” – como diz Rita – Cássia Eller entra em cena em “Luz Del Fuego”. A magia das duas está no ar. Nem parece que Cássia, nervosíssima, não conseguira cantar direito ao lado de Rita nos ensaios.

“Nem Luxo, Nem Lixo” brilha, com um vocal perfeito de Rita e acordeom de Oswaldinho. Por falar em vocal, esse é um capítulo à parte: Rita entrega uma de suas grandes performances. É emocionante ouvir o canto de Rita em todo o disco. “Alô! Alô! Marciano”, presente de Rita e Roberto para Elis Regina, é uma das canções com regência e arranjo de cordas e metais do maestro Eduardo Souto Neto. Um ponto altíssimo no disco, com os metais misturados ao kazoo de Rita – aquele instrumento de sopro cujo som parece um zumbido. Genial.

“Eu e Meu Gato” é uma delícia! Uma daquelas pérolas da discografia da Rita que, vira e mexe, a gente adora redescobrir. “Balada do Louco” tem tantas camadas: melancolia pura na voz de Rita, com uma beleza quase sombria. “Se eles rezam muito – eu sou santa – eu já estou no céu”, canta Rita, fazendo referência ao disco anterior, “Santa Rita de Sampa”. A canção tem uma introdução de arrepiar numa “conversa” entre o piano de Roberto e o bandolim de Armandinho. No final, Gungun, a personagem-criança-pentelha de Rita, ri, numa alusão ao Pica-Pau.

Com Titãs, a bastidão anterior abre espaço para a festa em “Papai Me Empresta o Carro”, mas o peso logo volta com a inédita “O Gosto do Azedo”. A música, de Beto Lee, ganha o luxuoso arranjo do grande maestro tropicalista Rogério Duprat, que estava na plateia. Rita também homenageia Raul Seixas com “Gita”, parceria dele com Paulo Coelho, numa música que deu trabalho para ser gravada: ela embolou a letra algumas vezes até conseguir acertar tudo. “Flagra” é a gaiatice de Rita em puro estado musical, com vocais irretocáveis, irônicos e com direito a um apito de brinquedo (daqueles em formato de passarinho, com água dentro).

“Desculpe o Auê”, clássico de Rita & Roberto, traz a participação de Paula Toller, que já chegou homenageando a grande estrela ao beijar as suas mãos e ao cantar um trecho, devidamente adaptado, de “Ando Jururu” (1974, do disco “Atrás do Porto Tem Uma Cidade”): “Eu só quero fazer parte do seu backing vocal / E cantar o tempo todo shoobedoodaudau”. Oswaldinho volta com seu acordeom dando o toque final.

“Coisas da Vida”, o segundo single do disco, é divina. Num sentido de divindade mesmo. Clássico de 1976, a composição, toda de Rita, foi uma das mais citadas em uma votação que ela decidiu fazer, nos primórdios da internet, para que os fãs ajudassem a escolher o repertório do acústico. “M Te Vê”, que fala dos contrastes entre a importância que se dava ao futebol e à política, é a segunda inédita do álbum.

“Mania de Você”, com participação de Milton Nascimento, é um dos registros musicais mais belos da história da música. Todo a harmonia dela foi reescrita por Roberto no piano, com clara homenagem a Minas Gerais, estado do coração de Milton, que nasceu no Rio e cresceu em Três Pontas. A introdução com o piano de Roberto, belíssima, conduz a brilhante harmonia entre Rita e Milton. Pura luz. O dueto emocionante tem direito a homenagens a Bituca – apelido de Milton – e a um selinho no final.

Fechando o disco, dois clássicos dos clássicos do repertório de Rita: “Lança Perfume” e “Ovelha Negra”. A plateia, em êxtase, aplaude. Logo ao sair, o álbum recebeu Disco de Ouro e de Platina. Pudera: um álbum como esse nos manifesta, a cada audição, que Rita é a maior. Ave, Rita!

*Guilherme Samora é jornalista, editor e estudioso do legado cultural de Rita Lee

“A obra da Rita Lee sempre foi atemporal e a nossa responsabilidade pelo seu catálogo é enorme e de um valor imensurável para todas as gerações. A Universal Music tem a honra de trabalhar este patrimônio e fazer com que ele seja acessível ao maior número possível de fãs, em qualquer tempo. Viva eternamente, querida Rita Lee!”, afirma Paulo Lima, presidente da Universal Music Brasil.

Rita Lee
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