Onda Nova, clássico de Ícaro Martins e José Antonio Garcia, censurado pela ditadura, será exibido em cópia restaurada no Festival de Locarno em agosto
Segundo longa de uma trilogia dos diretores Ícaro (Francisco) Martins e José Antonio Garcia, em que constam os premiados O Olho Mágico do Amor (1981) e Estrela Nua (1985), ONDA NOVA será exibido, em cópia restaurada e remasterizada, no Festival de Locarno, que acontece entre 7 e 17 de agosto, na Suíça. A obra faz parte da seção “Histoire(s) du Cinéma”, espaço do festival dedicado ao resgate de clássicos raros e filmes que lançam uma nova luz sobre a história do cinema. Este ano, a seção conta também com obras de grandes cineastas como Quentin Tarantino, Jane Campion e Alberto Cavalcanti.
ONDA NOVA teve sua primeira exibição no Brasil na 7ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 1983. Logo em seguida, foi proibido pela Censura do regime militar e só pôde ser lançado quase um ano depois, o que prejudicou muito sua carreira comercial.
Protagonizado por Carla Camurati e Cristina Mutarelli, o filme, que tem roteiro assinado pelos diretores, traz a história das jogadoras do Gayvotas Futebol Clube, no ano em que o futebol feminino foi regulamentado no Brasil, após ter sido banido por 40 anos, até 1979. Esse time de jovens paulistanas desafia a moral vigente sobre gênero e sexualidade, ao mesmo tempo em que as jogadoras lidam com seus problemas pessoais. No campo, contam com o apoio de jogadores renomados, como Casagrande e Wladimir, fundadores da famosa “Democracia Corintiana”, e Pitta. Também participam do filme artistas como Caetano Veloso, Regina Casé e o locutor Osmar Santos.
Apesar de não ser uma “pornochanchada” tradicional, ONDA NOVA foi produzido de forma semelhante, na Boca do Lixo. Seu lançamento comercial tardio, quando esse ciclo já havia acabado, de certa forma o coloca como o último do gênero. Entretanto, como nas outras obras dos diretores, o filme rechaça o moralismo sexista dessas produções comerciais.
“É um filme onde o desejo assume o protagonismo, define e conduz as personagens e a narrativa. Mesmo não tratando diretamente de política, ao colocar o desejo como afirmação de identidade e de vida, ONDA NOVA é a própria negação da ditadura vigente na época. Por isso a censura não foi apenas a uma cena ou outra, mas ao filme inteiro. Foi considerado ‘amoral’ e interditado integralmente”, conta Martins.
A seleção do filme para a seção “Histoire(s) du Cinéma” do 77º Festival de Cinema de Locarno, deu à produtora Julia Duarte – sobrinha de José Antonio Garcia, que infelizmente faleceu em 2005 – a oportunidade de iniciar um projeto de restauro das obras de um cinema brasileiro que era pouco acessível, mas muito representativo.
Trazer ONDA NOVA novamente para as as telas com a merecida qualidade, envolveu também refazer trailer e cartaz, que tinham desaparecido. A nova identidade visual ficou a cargo de Helena Garcia, artista gráfica e uma das filhas de José Antonio, e o trailer, ficou a cargo de Marina Kosa (Tanto Produções). O apoio da Cinemateca Brasileira para a digitalização dos negativos originais e da parceria com a JLS, a Zumbi Post, a família do diretor falecido, e os esforços de Francisco Martins, uniram-se no intuito de preservar uma obra leve – e livre, que trata de questões muito presentes no Brasil atual.
“Em 1984, numa entrevista a Leon Cakoff, fundador e então diretor da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Zé Antonio declarou: ‘Nosso filme é de vanguarda, só será entendido daqui a dez anos’…Talvez tenha demorado um pouco mais, mas ele tinha razão”, conclui Martins.
Sinopse
ONDA NOVA, 1983, é uma comédia erótica e anárquica que reúne histórias das jogadoras do Gayvotas Futebol Clube, um time de futebol feminino recém-formado em plena ditadura militar, no ano em que o esporte foi regulamentado no Brasil, depois de ter sido banido por 40 anos. Com o apoio de renomados jogadores da época como Casagrande, Pitta e Wladimir, elas enfrentam os preconceitos de uma sociedade conservadora. Paralelamente, lidam com seus problemas pessoais e familiares, e se preparam para um simbólico jogo internacional contra a seleção italiana.
Ficha Técnica
Roteiro e Direção: Ícaro Martins e José Antonio Garcia
Elenco: Carla Camurati e Cristina Mutarelli; Cida Moreira, Cristina Bolzan, D’Artagnan Jr., Ênio Gonçalves, Lucia Braga, Luis Carlos Braga, Neide Santos, Patrício Bisso, Petrônio Botelho, Pietro Ricci, Pita, Regina Carvalho, Vera Zimmermann
Atrizes convidadas: Regina Casé e Tânia Alves
Participações especiais: Caetano Veloso, Casagrande, Osmar Santos, Wladimir
Direção de fotografia: Antonio Meliande
Montagem: Eder Mazini
Direção de arte: Cristina Mutarelli
Música tema: Laura Finochiaro e Cristina Santeiro
Trilha original: Luiz Lopes
Produção executiva: Adone Fragano
Produção: Adone Fragano e José Augusto Pereira de Queiroz
Produtora: Olympus Filme
Sobre José Antonio Garcia
José Antonio Garcia (1955 – 2005) foi um cineasta brasileiro. Membro da geração do cinema paulista da década de 80, batizada entre os críticos paulistanos de “Novo Cinema Paulista” frequentou os cursos de roteiro e direção da Escola de Comunicação e Artes da USP, entre 1973 e 1976, onde dirigiu alguns curtas-metragens experimentais, como Hoje tem futebol (1976), Marilyn Tupi (1977) e Tem bola na escola (1979), antes de debutar nos longas-metragens em parceria com Ícaro (Francisco C.) Martins. Seu filme solo, O Corpo (1991), baseado no conto “A via crucis do corpo”, de Clarice Lispector, com Marieta Severo, Claudia Jimenez e Antonio Fagundes, foi premiado nos Festivais de Brasilia (Brasil) e de Cartagena (Colombia). Também dirigiu o longa Minha Vida em Suas Mãos, produzido e protagonizado pela atriz Maria Zilda Bethlem. Faleceu no Rio de Janeiro, em 2005, após estrear uma peça com sua direção baseada na obra de Clarice Lispector “Crônicas para não esquecer e A Pecadora Queimada e os Anjos Harmoniosos”.
Sobre Ícaro Martins
Ícaro Martins, ou Francisco C. Martins (1954), começou no “Novo Cinema Paulista”, escrevendo e dirigindo, junto com José Antonio Garcia, O Olho Mágico do Amor (1982), Onda Nova (1983) e Estrela Nua (1985), conquistando vários prêmios , como APCA, Gov. do Estado de SP, entre outros. Colaborou nos roteiros da renomada série da TV Cultura, “Castelo Rá-Tim-Bum” e foi roteirista de Tempo de Resistência (2003), de André Ristum. Dirigiu, junto com Helena Ignez, Luz nas Trevas – A volta do Bandido da Luz Vermelha (2010), exibido no 63º Festival de Locarno. Diretor e co- roteirista de Maria – Não Esqueça que eu Venho Dos Trópicos, seleção oficial do festival “É Tudo Verdade”, em 2017. No teatro, dirigiu espetáculos virtuais, como O Grande Inquisidor, de Fiódor Dostoiévski, Diana, de Celso Frateschi e Horácio, de Heiner Müller (Teatro Ágora, 2021/22); Em 2022, no Teatro SESC Consolação, colaborou com Vivien Buckup na direção de O Canto do Cisne, de Tchechov, e dirigiu, junto com autor Celso Frateschi, o infantil Gongorê.