Vilto Reis lança ‘Nascida Para o Trono’, livro de fantasia épica que mergulha em temas contemporâneos como drogas, gênero e intolerância religiosa
Decidido a se afastar do modelo tradicional de escrever fantasia, canonizado por J.R.R. Tolkien, o escritor, roteirista de quadrinhos e professor de escrita criativa Vilto Reis (@viltoreis) procurou novas possibilidades para contar sua história. Buscando novas referências, sem deixar de lado obras seminais como “Duna”, de Frank Herbert, Vilto também encontrou em questões que pautam o mundo na atualidade a inspiração para escrever “Nascida Para o Trono – Serpentes e Traições” (288 pág.), obra publicada pela editora Draco.
Além de expandir a imaginação em um cenário de conflitos, instabilidade política e pesada mão religiosa sobre a vida do povo, o escritor, que já foi jurado do Prêmio Jabuti em 2022, constrói uma narrativa envolvente onde todos os elementos indispensáveis ao gênero se fazem presentes.
A história se passa no coração de Camara, um universo de fantasia épico inspirado nos grandes impérios africanos, onde repousa a Cidade Prateada, a capital de uma confederação de povos guerreiros onde manipulações, traições e disputas do Conselho — liderados pela Guardiã — oprimem a população através do poder do Totem da Serpente, uma joia capaz de despertar habilidades sobrehumanas em pessoas comuns.
É lá que vive Núbia Naja Branca, uma debochada ladra que foi um prodígio de sua geração, mas acabou com os poderes bloqueados como punição por um crime do passado. Hoje, entrega-se à decadência de ser uma renegada de seu povo, afogando as mágoas em bebidas e drogas destrutivas para o corpo, como o Bagandolá.
Uma nova oportunidade de recomeçar surge quando é contratada para roubar o Totem da Serpente, a joia mais importante da confederação, protegida pela Nona Guardiã, sua própria irmã. Contudo, um general lendário e revolucionário deseja o mesmo item para derrubar o poder político de Camara, motivado por um fato que se liga ao passado de Núbia.
O romance foi lançado junto com “Fim do Império”, quadrinho em que Vilto também atua como roteirista e que conta com arte de Lucas Machado.
Um novo olhar para a contemporaneidade
Enquanto a fantasia muitas vezes é vista como uma forma de escapismo, no livro, segundo o autor, ela serve como um meio de explorar e oferecer novas perspectivas sobre questões atuais. Um dos principais temas é o uso abusivo de drogas. “Utilizo elementos de fantasia para explorar as complexidades e as consequências desse problema na sociedade”, aponta, sem condenar o uso recreativo durante a obra.
Além disso, o livro aborda questões de gênero (a protagonista é uma mulher trans), destacando as diversas formas como a identidade e a expressão de gênero se manifestam e são percebidas em diferentes contextos. Outro tema crucial é a intolerância religiosa. Através de uma narrativa fantasiosa, o livro analisa como a intolerância e o preconceito podem se infiltrar e afetar as relações humanas, levando a conflitos e mal-entendidos.
Tecer a narrativa levou tempo, pesquisa e experimentação, por meio da consulta de livros, documentários e filmes. “Filhos de Sangue e Osso”, de Tomi Adeyemi, e as histórias do Pantera Negra, da Marvel Comics, por exemplo, incorporaram a cultura africana à fantasia – os impérios africanos, sua cultura e organização são o ponto de partida para a criação de “Camara”.
Seu estilo de escrita, com frases curtas e concisão, é influenciado por autores como Joe Abercrombie, Andrzej Sapkowski e Leonel Caldela. A leitura de “Nascida Para o Trono” é imersiva como uma partida de RPG – em que as descrições das ações e movimentos são precisas e rápidas.
Como nasce um escritor de fantasia?
Vilto Reis é escritor, roteirista de quadrinhos, professor de escrita criativa, jogador de RPG e participante do Podcast de Literatura 30:MIN, um dos mais ouvidos do Brasil sobre livros. Também é autor de “Fim do império” e “Um gato chamado Borges”, obra finalista do Prêmio SESC 2015, e teve contos veiculados em diversas antologias e revistas.
O escritor também fundou o portal Homo Literatus, onde atuou como editor por mais de sete anos, e esteve à frente de iniciativas como a Editora Nocaute e a Revista Pulp Fiction. Com experiência como apresentador do programa de televisão LiteratusTV, em 2022, fez parte do júri do Prêmio Jabuti na categoria Literatura de Entretenimento.
Sua verdadeira inspiração para começar a escrever veio um pouco antes da faculdade, quando descobriu o Nerdcast e a história de Eduardo Spohr, um escritor brasileiro bem-sucedido. Daniel Galera, com seu livro “Barba Ensopada de Sangue”, também foi uma grande influência, mostrando que era possível criar histórias em cenários familiares. O ponto de virada foi a criação do blog literário Homo Literatus em 2011, após uma palestra inspiradora no Festival de Publicidade de Gramado. “Esse projeto me permitiu explorar a escrita e a crítica literária, além de me conectar com outros apaixonados por literatura”, explica.
Em 2018, com a iminência do nascimento do seu filho, começou a trabalhar em um novo romance. “No entanto, depois de um evento tão emocionalmente transformador como a paternidade, voltei ao texto e não me reconheci mais nele. Não era o tipo de escritor que queria ser, nem o tipo de livro que queria escrever. Então, nos meses que se seguiram, passei a rascunhar ideias, explorar possibilidades, até que reencontrei minha verdadeira paixão: a fantasia épica”, conta.
Para desvendar a escrita de fantasia, mergulhou na leitura de inúmeras obras de fantasia, tanto clássicas quanto contemporâneas, enquanto também escrevia contos para praticar e desenvolver sua própria linguagem. O escritor ainda tem outras histórias no forno, quase prontas, que serão divulgadas aos poucos por meio de suas redes sociais. Atualmente, mantém um canal no Youtube dedicado a quem busca escrever livros. Além disso, ministra cursos e oficinas, realiza leituras críticas e oferece mentoria para aspirantes a escritores.
Mais informações em www.viltoreis.com.
Leia um trecho de “Nascida Para o Trono”:
“A chuva vinha diminuindo e naquele dia Teth-Tá brilhava no céu, pressagiando a chegada da Estação da Colheita.
A Zona dos Artesãos era uma das melhores amostras do povo de Camara. Consoante às batidas das ferreiras nos metais das forjas, tecelões urdiam tecidos que virariam roupas e sapateiras talhavam o couro em sapatos ou bolsas. Griôs recém-chegados à Cidade Prateada aproveitavam as batidas monótonas como marcação de tempo para adicionar a melodia das canções narrativas. As koras eram acompanhadas por berimbaus e flautas, concebendo uma grande orquestra de improviso. Ninguém marcava para se encontrar ali, a convergência apenas surgia, motivando as danças em grupo. As crianças corriam para o meio de rodas, gargalhando não menos que os adultos. Os vendedores ambulantes eram atraídos pela multidão. Vinham tentando gritar mais alto que a música, vendendo doces de mel, fatias de bolo de milho cremoso, torta moín moín, torta do primeiro guardião, shuku shuku, melancias e o que mais se pudesse comer e oferecer a alguém. Ali mesmo na rua, bananas-da-terra eram fritas e dadas ou vendidas, conforme a necessidade de quem as produzia. De repente, dois velhos começaram a compartilhar um garrafão de vinho de palma. Um voluntário se oferecia para ocupar a função do fiandeiro por um tempo, para que este ocupasse um lugar na roda de dança. Era uma rápida troca de favores com a promessa de que se devolveria no futuro, porém ninguém lembrava de cobrar. Raramente um dia triste se veria por ali.
Menos mal que Núbia se distraiu, dado que o acompanhante não se mostrava a companhia mais agradável.”
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