A cantora e compositora Karla da Silva lança seu novo álbum SOTAK, celebrando o samba e suas influências em shows em Portugal e França em novembro

Com dez temas autorais, o novo álbum da cantora e compositora Karla da Silva apresenta o Samba na perspectiva de uma importante linguagem que cria pontes e ameniza os desafios cotidianos. Na língua portuguesa, sotaque se refere à forma de falar de determinada região. Em SotaK, Karla, premiada no festival IberMúsica 2018, se refere às diferentes vozes, sonoridades e tradições que confluem no ritual ancestral que é a roda de Samba (ou seria roda da vida?). O Samba (sim, com letra maiúscula) é a língua mãe da cantora nascida no Rio de Janeiro, é a sua essência mais verdadeira.

Karla da Silva

Karla da Silva faz show de lançamento em novembro: dia 02 no Studio de L’ermitage em Paris, 17 no Bota Anjos em Lisboa e 30 no Instituto Pernambuco em O Porto.

Este novo álbum, o quarto de sua carreira, retrata o Samba com contemporaneidade, sem perder a reverência à tradição. Apresenta alguns de seus acentos que se revelam como os sotaques do Samba, o Samba de Roda, o Samba Reggae, O Samba de Terreiro, o Samba Rock, entre outros, influenciados por guitarras e tambores do Candomblé.

Se no início do século XX no Brasil o ritmo se afirmou como movimento de resistência do povo negro e de invenção da cultura afro-brasileira pós trauma colonial, hoje o Samba emerge em solo europeu como espaço possível de reterritorialização de uma comunidade que se pôs a migrar. No entanto, a roda de Samba é também sinônimo de união e diversidade.

Conhecida nacionalmente no Brasil ao ser semifinalista do The Voice 2012, Karla da Silva acredita que os diferentes sotaques devem ser pontes para a construção de um futuro coletivo. Contagiada pelas suas trocas artísticas feitas em Lisboa e Paris, capitais onde ela semanalmente vem se apresentando desde que se mudou a Portugal há 5 anos, a artista propõe no disco ainda sonoridades que refletem culturas lusófonas e que se entrelaçam como a Morna cabo-verdiana e o Semba de Angola. Ao cruzar influências de sua trajetória de vida, Karla da Silva expressa lírica e voz, enquanto nos convida a caminhar com ela pelas ruas e vielas do Rio de Janeiro, sua escola, ou da Bahia, sua terra ancestral.

O disco inicia com um rezo das Caixeiras do Divino Espírito Santo, tradição que retrata o sincretismo religioso e cultural. O Brasil é essa miscigenação e encruzilhada de manifestações. O Samba de roda que segue é uma manifestação musical e coreográfica originária da Bahia, considerada precursora do Samba urbano tal como o conhecemos hoje. O Samba de roda apresenta uma poesia simples e bela, referindo-se a elementos da natureza, temas relacionados com a ancestralidade do povo negro.

Ao começar o álbum desta forma, Karla faz reverência ao início de tudo, aos Orixás do Candomblé, religião da artista, onde também possui o cargo de Mãe de Santo e saúda a sua ancestralidade baiana, uma vez que a sua avó veio de lá. Na verdade, tudo começou na Bahia, foi lá onde o primeiro navio negreiro aportou no Brasil.

A cantora não poderia deixar de louvar Hilária Batista de Almeida, mais conhecida como Tia Ciata, sambista, musicista e mãe de santo, figura crucial e fundamental para o nascimento do Samba. Ao reverenciá-la é como se a artista também dedicasse o carinho e respeito a todas suas antecessoras, como Ivone Lara,Clementina, Jovelina Pérola Negra, Clara Nunes, suas maiores referências.

Seguimos e o Samba canção “TODO ESSE TEMPO FOI O SAMBA QUEM CUIDOU DE MIM” declara o Samba como o grande companheiro da trajetória da artista. Cita também poeticamente a Escola de Samba Caprichosos de Pilares, onde seus pais foram diretores de harmonia e a artista cresceu ao ritmo dos tamborins.

Na sequência, “TOQUE DE ANGOLA” promove no arranjo a conversa do Semba com o Samba, fala de África, cita seu Bisavô Chico, como um preto velho mandingueiro que trouxe a magia da música e da vida que Karla herdou. Fala de fé, de superação. Tem a participação do grande Bandolinista Diogo Guanabara, afilhado de Hermínio Bello de Carvalho.

Em “MINHA GINGA”, o Samba se apresenta alternativo, com um acento de Samba Rock, repleto de personalidade e da típica astúcia das ruas. Sem dúvida, uma estética carioca.

Seguido de “GROOVE ARRASTADO” que mistura em seu arranjo influências da bossa nova com claves baianas do ritmo homônimo, além de uma letra que fala de um amor em plena festa mais popular Salvador: o dia de Iemanjá! O sagrado e o profano, num disco que retrata a fluência e integração de manifestações.

Na sequência, “VALENTIA” apresenta no arranjo os tambores que entoam o ritmo Ijexá, dedicado nos terreiros de candomblé ao Orixá Oxum. Juntamente com o bandolim e guitarras mais contemporâneas traz uma letra carregada de poesia, força e regeneração diante dos avessos da vida.

“MOLDURA” traz os acentos de uma morna cabo-verdiana, retrata as influências da lusofonia que promovem nas noites de Lisboa e de Paris, o encontro de Karla com artistas do continente africano. A presença do cavaco, instrumento fundamental na Morna e no Samba, referência a acentos e similaridades entre estes dois países.

“BAOBÁ” apresenta o Samba Reggae, ritmo popular dos blocos afro-baianos como Olodum e Timbalada, entre outros. Há histórias que remontam o nascimento desse estilo de Samba advindo do toque “agueré” dedicado ao Orixá Oxóssi nos terreiros de Candomblé. A poesia fala sobre uma despedida, sobre o nome e seu significado cabe ressaltar que “antes de atravessar o oceano Atlântico, os escravizados eram obrigados a realizar uma espécie de ritual em torno de uma árvore chamada Baobá. Quando os portugueses chegaram ao continente africano, eles se aproximaram dos nativos e perceberam que havia uma dimensão sagrada e ancestral em torno dessa árvore.

Considerada por muitos, como uma espécie de árvore da vida, a identidade social africana de alguns povos é interpretada pela ideia de que as raízes do Baobá representam os ancestrais e as memórias da comunidade, enquanto o tronco, seriam as crianças e os jovens em crescimento. Estes, por sua vez, devem estar enraizados nessa camada profunda, densa e profícua da terra, para sobreviver às variações do tempo e seguir em direção ao ápice de suas vidas.

Os galhos significam o amadurecimento e quando as folhas caem, retornando ao solo para alimentar as raízes, dão continuidade a um novo ciclo que recomeça. Sendo predominante nas regiões semiáridas de Madagascar, o Baobá carrega simbolicamente uma outra visão de ser humano, que se constitui a partir do nós, ao invés do, como no ocidente.

Se a Bahia é a África com cara de Brasil, “OURO” a nona músicas do álbum, é seu hino. A canção fala em sua lírica a respeito da constante lutadopovonegro no mundo diante das mazelas causadas pelo racismo. É uma canção de militância e afirmação racial, auto-estima. No arranjo há uma conversa entre o Afoxé e o Samba Reggae com a presença marcante guitarras do timbal, tamborbrasileirocom influência africana.

O disco encerra com “MADE IN MADUREIRA” porque embora a cantora hoje viva na Europa, veio da terra do Samba e isso jamais é escondido. A canção traz em sua lírica uma letra leve que fala sobre união e paz, tem uma arranjo de “Samba setentista” faz uma menção aos pagodes de Jovelina Pérola Negra ou até mesmo ao que se entoava no Cacique de Ramos. Além disso, traz também um cavaquinho com afinação de bandolim, sotaque muito utilizado nas gravações de Clara Nunes nos anos 70. É quase um Samba que se ouvia de baixo da tamarineira nos áureos tempos dos Cacique de Ramos, a celebração Roda de Samba!

Karla continuam com um número cada vez maior de fãs comparecendo aos seus shows ou rodas de Samba em Paris, onde ela tem se apresentado no La Petite Hall uma vez por mês desde janeiro de 2024. Neste mesmo ano, Karla se apresentou na Bienal de Veneza (IT), e estará presente neste verão de 2024 no Festival Les Suds em Arles no Tempo Latino Festival na França, entre outros.

Discografia:

Festejo e Fé (independente, 2010)
Quintal (Natura Musical, 2013)
Quintal ao Vivo – DVD (Natura Musical, 2014)
Gente que nunca viu vai ver a pretíssima coroação (independente, 2017)
SotaK (independente, 2024)