Joy Espindola, cantor, compositor e engenheiro de som, apresenta “Gente de Carne”, seu álbum de estreia, marcado por participações especiais e composições inspiradas

Joy Espindola é cantor, compositor e engenheiro de som. Paulista, cresceu em meio a cena musical independente de São Paulo. Caçula de Alzira E, apresenta seu primeiro trabalho autoral solo em todas as plataformas de streaming na sexta, 29 de março de 2024, mostrando que também carrega a veia de composição da família Espíndola. O disco de estreia, intitulado Gente de Carne, totalmente independente, traz composições feitas, em sua maioria, em momento de isolamento social.

 

É um álbum de sonoridade moderna, mas com influências setentistas, produzido por Guilherme Kafé e Frederico Pacheco no O&O Estúdio, que teceram em volta das músicas originais, em voz e violão, de Joy, uma trama muito bem preenchida por bateria(Kau Caldas), percussões (Nanda Guedes), baixo(Guilherme Kafé), teclado(Vitor Arantes) e guitarras(Pedro Biennemann e Ed Woiski). Nas canções, a visão do artista sobre sentimentos comuns como nostalgia, pertencimento, amor moderno, desprendimento e inseguranças, tudo isso com um toque de humor ácido e ironia. O disco ainda conta com participações especiais de: Alzira E, Iara Rennó, Tetê Espíndola, Helena Badari e Ana Passarinho.

Ao final de 2023, Joy lançou três singles: balada Indie/MPB bem humorada “Cozinhar fumando”, o Indie Rock/Salsa pra cima e dançante“Loco love” e o samba rock “Transando na velhice”.

Onde ouvir: Joy Espindola “Gente de Carne” (ffm.to)

Faixa a faixa – Por Joy Espindola

“Descarrilho” (Joy Espindola e Matheus Couri) surgiu por conta de uma harmonia que tinha feito no violão, em 2020, em que a rítmica lembrava um pouco algo como uma locomotiva, um trem. Com essa cena na cabeça, chamei Matheus Couri, amigo de longa data e poeta, para escrevermos juntos essa letra. A faixa fala sobre um sentimento de insegurança do jovem adulto dentro da sociedade contemporânea: “Em meio ao medo/ E a dúvida/ De ser o que esperam/ Me atraso da necessidade/ De ser ou não ser/ Uma parte dessa engrenagem” engrenagem essa que pode ser interpretada pela ótica das condições do trabalhador das artes no contexto mercadológico atual.

Acho que por eu mesmo achar o meu som “peculiar”, acabei imprimindo na música essa ressalva, sobre a insegurança comum no meio em que vivo, o medo de ter que se moldar ou se adequar a um padrão artístico ou de estilo de vida para poder ser notado. Mas, a faixa segue contando a história desse eu lírico que se percebe nesse lugar e toma o protagonismo para si, como no trecho: “Explodo o pistão/ Saboto a missão/ Saqueio o destino” aqui, fazendo alusão a sabotagem desse “trem em movimento” como se mudasse e tomasse o rumo dos seus próprios destinos, traçando o seu próprio caminho. A letra se conclui numa espécie de refrão onde o protagonista enxerga a paisagem além do trilho traçado, uma terra sem mapas e sem destino certo, em que tudo é mutável e incerto, mas agora, com o poder de escolha do movimento e do que chama de lar. “E sem mapa nas mãos/ Poder escutar/ As cores do som/ O aroma do mar/ Permitir se perder/ Pra então se encontrar/ E enfim pertencer/ Ao que chama de lar”.

A sonoridade e arranjos propostos por Guilherme Kafé e Frederico Pacheco couberam como uma luva: o andamento um pouco mais pra frente do que a música em voz e violão, timbres setentistas e psicodélicos como guitarras com distorção e Mellotron, violões passando por fita e bateria bem presente compõem uma massa sonora e bem marcada que deu um ar de Rock Progressivo pra essa faixa. Por traduzir bastante o sentimento geral do restante do álbum, tanto na sonoridade quanto na letra, “descarrilho” é a música de abertura do disco Gente de Carne.

“Cozinhar fumando” (Joy Espindola)

Essa música foi feita em contexto de isolamento social devido à pandemia, em 2020. Harmonia, letra e melodia surgiram juntas no mesmo momento, foi uma coisa bem natural. A música é um momento de reflexão fruto do ambiente bucólico, onde o eu lírico se lembra de um conselho dito a ele em certo momento no passado: “Estou aqui/ Sentado na grama/ Pensando naquilo/ que você me disse/ Bem antes disso tudo acontecer/ Sobre cuidar do coração”. Conselho esse, sobre amor e relacionamentos em geral, um tanto cômico, e onde eu lírico cita esse conselho e se lembra dele com certa alegria, pela sua peculiaridade: “Não confie em ninguém/ Que beija/ De olhos abertos/ Não confie em ninguém/ Que não cozinha, fumando/”. Se esse eu lírico passa a seguir, ou não esse conselho, é um mistério.

A faixa, produzida por Guilherme Kafé e Frederico Pacheco, tem uma dinâmica crescente, com uma sonoridade inicial que lembra baladas da música popular brasileira, os instrumentos vão se incorporando aos poucos ao arranjo, começando apenas com voz e violão. A música no início soa íntima e solitária, mas termina em uma festa bem humorada, com arranjos completos de banda em bateria, teclados, guitarra, baixo e vocais de Alzira E, Iara Rennó e Tetê Espíndola.

“Loco love” (Joy Espindola)

Talvez seja a música mais antiga do disco, compus ela em duas partes. Em 2015 a beira do mar de Paraty/RJ, escrevi alguns versinhos curtos, que aparentemente não conversavam entre si, mas com muita brincadeira de rimas entre fonemas, e em outro momento peguei o violão com uma harmonia que tinha acabado de fazer e juntei os versos que se encaixaram perfeitamente na parte A e no refrão. A faixa é uma poesia que conta um sentimento presente em uma fração de tempo, o momento em que se percebe apaixonado, uma comoção própria com a força desse sentimento, o momento em que o coração bate mais rápido, uma vontade de chorar, ou um misto de tudo isso, onde o eu lírico afirma que essa paixão o locomove: “Nesse chove não molha/ Me olha e me comove/ Locomove/ Loco love… E o coração deslancha/ Num batimento de 40 nós/ Por garganta”. O cenário na minha cabeça era desse “mar de sentimentos” e por estar a beira da praia, veio essa referência a medição de velocidade em embarcações marítimas (40 nós).

A sonoridade da música ficou mais pro PopRock/Indie Rock, com traços latinos, dançante, com versos que grudam na cabeça e solos inspiradores de guitarra e sintetizador.

Calefação (Joy Espindola) é a quarta faixa do álbum, e é a canção mais “calma” do disco, e também a mais sexy. A harmonia é mântrica e junto da letra, convida o ouvinte a um mundo de intimidade e toques, afetos calorosos. Nessa letra eu quis incorporar os quatro elementos, e como eles estão presentes nesse momento de intimidade, às vezes de forma subjetiva, outras de forma objetiva. O toque representando a terra, o que é palpável e material, e que tem forma. O ar, na forma da respiração. A água na forma do suor e do vapor. O fogo, no aumento da temperatura corporal e no que é representado como desejo sexual: “Toca/ Inspira/ Olha/ Expira/ Molha/ Taca fogo/ Fumaça/ Cola/ Me abraça/ Em brasa”. O fim da letra, e dessa imagem do ato íntimo, retornam ao mantra cíclico: “Tudo de novo”.

Nessa faixa, a sonoridade é misteriosa e profunda, efeitos de delay e reverberações longas, afirmam esse elemento aquático, terno, amaciado pelo baixo aveludado de Guilherme Kafé e pelos vocais de Helena Badari (participação especial em voz). No refrão, as baterias se tornam pesadas e saturadas e as guitarras ásperas, ajudando a traduzir o elemento fogo presente nesse momento na letra, forte, eufórico mas efêmero, como um orgasmo.

“Bilhete” é uma vinheta instrumental, apenas em violão, com acordes soltos, passeando por campos harmônicos. Um interlúdio, que fecha o lado A do disco.

“Barulho do ventilador” (Joy Espindola/ Pedro LeGrazie). Essa canção nasceu de um poema de Pedro Le Grazie, e foi concebida também, em momento de isolamento social. O Pedro já tinha esse poema há alguns anos, e eu sempre disse que queria musicar. Um dia sentamos juntos e demos uma polida em alguns versos e escrevemos juntos o refrão. É a canção mais misteriosa e psicodélica do disco, aqui, macro e micro se misturam em um momento de devaneio, e retrata a singularidade da mente humana, que é capaz de estar em um mundo material e ao mesmo tempo viajar em espaços siderais subjetivos, presentes na imagem da dança de partículas de poeira ao som e ao vento de um ventilador ao fundo. No primeiro verso, tomamos a liberdade poética de empregar um erro gramatical em função da sonoridade da letra na melodia: “Entre eu/ E o barulho do ventilador”. Os detalhes do entorno do cenário e dos ruídos do ambiente externo são exaltados nos primeiros versos, que denotam a passagem do tempo nesse mundo material, o macro: “Sons/ Das panelas ferro/ Paredes de pedra/ E gente de carne/ Tons/ Das buzinas do inferno/ Sussurra os mistérios/ Gemidos modernos/”. No refrão, o tempo pára e se suspende nesse instante de devaneio, e o micro se expande, materializando a um novo universo, silencioso, para além do barulho do ventilador: “E num feixe de sol/ Partículas de poeira/ Num silêncio sideral/ Galáxias inteiras/ Suspensos/ Pensamentos tridimensionais”

A faixa contém um arranjo muito bem trabalhado, com compassos ímpares no meio de compassos pares, que geram uma estranheza no ouvinte. O arranjo vai crescendo e incorporando elementos aos poucos no decorrer da música, ressaltando esse ar de mistério, e explodindo numa catarse final. Com participações especiais em vozes de Alzira E, Iara Rennó e Tetê Espíndola, o rock psicodélico toma forma e consagra a faixa como a mais elaborada em texturas e camadas do disco.

“Me derrubar” (Joy Espindola) é a faixa mais “diferente” do disco, nasceu de uma harmonia torta e cheia de acordes diminutos, dividida em três momentos, que contam com compassos ímpares imprevisíveis no meio de compassos pares, inicialmente em 6/8 a faixa é uma mistura de rock psicodélico com punk rock. A letra, de apenas uma frase só, presente apenas no “refrão” é um grito de insatisfação, de indignação, beirando uma paranoia: “ Ahh, eles querem me derrubar!/ Ahh, eles querem te derrubar!”. Compus essa faixa em um momento conturbado e de instabilidade política, em que o sistema se torna tão opressor que a única opção possível parece ser a revolta. Esse sentimento de revolta é enfatizado pelos arranjos ácidos, com guitarras extremamente ruidosas, baterias frenéticas e um vocal super saturado. As quebras de tempos pares e a harmonia que dá voltas, criam o cenário de confusão mental e de instabilidade que a faixa pedia.

“Nostalgia” (Joy Espindola/Frederico Pacheco) nasceu em 2018, em meio a estudos de timbres e de sonoridades. Eu e Frederico Pacheco criamos a harmonia, em estúdio, montamos um arranjo e depois eu vim com a letra e melodia. Essa versão original, que era mais lo-fi e lenta, deu espaço para um versão mais pop e pra frente da música, que coube muito bem no repertório do disco.

A faixa, como o título já anuncia, fala sobre o sentimento de nostalgia, de lembranças de que despertam saudosismos sinceros, a vontade de viver aqueles momentos novamente: “Se lembra?/ De um tempo que não passa mais/ Rastros de memórias/ Noites e dias/ Que ficaram pra trás/ Ah, essa nostalgia/ E se eu pudesse voltar?”. No refrão o sentimento que aparece é o de dúvida, sobre o que poderia ter sido diferente, mas o eu lírico conclui que se tivesse escolha não mudaria nada, e que não se arrepende do resultado final: “O que eu mudaria?/ O que eu trocaria de lugar? /No fim eu deixaria ser/ Exatamente como foi”. O interlúdio da letra aparece numa reflexão, onde, que por mais dolorosa que seja, essa experimentação do tempo, o sentido é um só, e que estas experiências nos fazem crescer como pessoas: “O sentido/ É sempre para frente/ Sentir dor/ Também leva adiante”.

A sonoridade da faixa, que bebe de influências do Indie e Pop Rock dos anos 2000, conta com camadas de guitarras, coros em voz de Guilherme Kafé e Kau Caldas e com solos de guitarra de Ed Woiski, que lembram música country norte americana, e ajudam a passar esse sentimento de nostalgia.

“Transando na velhice” (Joy Espindola). Essa faixa teve como inspiração um comentário de uma amiga, que dizia ter presenciado um sorriso malicioso entre seus avós, na mesa de um jantar. Essa cena ficou na minha cabeça e a música veio de pronto, com letra, harmonia e melodia, como o desabafo que ela é. Um quase Samba Rock que fala sobre inseguranças nos relacionamentos afetivos modernos, a dúvida de pertencimento entre os diversos rótulos que acompanham os mesmos e a vontade de, talvez, não pertencer a nenhum deles. A sonoridade da faixa caminha entre influências mais clássicas da MPB como Jorge Ben até modernidades como Curumin e Ana Frango Elétrico. Com um humor sarcástico e com participação especial de Ana Passarinho nos vocais, a faixa fecha o álbum com um ritmo dançante e um refrão um pouco amargo, mas que sustenta uma dúvida humana muito antiga: “Será que eu vou morrer sozinho mesmo?”.