O poeta baiano JORDAN conquista o Prêmio Caio Fernando Abreu de 2023 com ‘Dois Preto Apaixonado na Cama’, que aborda relações afetivas entre homens negros
“Quando dois homens pretos se amam, o argumento que nos mata morre no susto. Esse tipo de amor que existe nas quebradas, do curuzu ao vidigal, existia nas senzalas mais constrangidas e nos quilombos mais corajosos. E, no entanto, não é representado nas exposições, na literatura clássica, nem na lista das mais ouvidas da Billboard. Este livro vem prestar contas desta profunda unidade.”
JORDAN
O poeta, slammer, dramaturgo e compositor baiano JORDAN (@
Nas palavras do próprio autor, “Dois Preto Apaixonado na Cama” surge enquanto “prestação de contas”. Afinal, segundo ele, o amor entre homens negros “existe nas quebradas, do curuzu ao vidigal, existia nas senzalas mais constrangidas e nos quilombos mais corajosos” mas não é representado em exposições, nem na literatura clássica, nem na lista das mais ouvidas da Billboard.
JORDAN conta que o tema começou a ser trabalhado dentro de sua vivência no Slam, modalidade de poesia falada que, no Brasil, tornou-se um espaço de articulação e resistência de comunidades marginalizadas ou dissidentes. Ao longo do período de um ano, escreveu todo o material que hoje compõe o livro.
Para ele, o processo de escrita do livro não se deu sozinho, mas também a partir da “visita arbitrária” de personagens de diferentes épocas da história brasileira, que vão do século 18 ao período de disseminação do vírus HIV, abrangendo também a Ditadura Militar. “No livro você irá encontrar diversas poesias que se passam em todos esses períodos. Todas elas sobre as expectativas afetivas desses homens e as realidades que eles encontravam”, afirma.
Além de retratar e reivindicar essas narrativas, sua poesia também propõe o questionamento e a construção de uma subjetividade ampla e complexa, na contramão de estereótipos e práticas coloniais que reafirmam a castração de corporeidades e afetos dissidentes. “Nós homens pretos precisamos investigar o que é erotico pra gente. Para além de adotar as performances que estão pré-estabelecidas e nos acomodar nelas”, conclui.
Dessa forma, o “erotismo” de “Dois Preto Apaixonado na Cama” não se restringe à libido e ao prazer, mas se apropria também da definição que o filósofo Georges Bataille cunhou para o termo, isto é, tudo aquilo que coloque o indivíduo em situação limite. Logo, faz parte da obra também o incômodo e a denúncia, abrangendo temas como violência estrutural, genocídio, objetificação e assédio vivenciado por homens negros.
Em busca de uma poesia “afroexistencialista”
Nascido em Camaçari, região metropolitana de Salvador, na Bahia, JORDAN atualmente reside em São Paulo, capital. É poeta, slammer, dramaturgo e compositor, além de acadêmico na área de Letras. Além de “Dois Preto Apaixonado na Cama”, que venceu o Prêmio Caio Fernando Abreu de 2023, possui duas peças de teatro publicadas.
Ele começou a escrever assim que foi alfabetizado, registrando histórias ficcionais nas páginas finais de seus cadernos. Hoje, continua tendo preferência pela escrita “a punho”, e seu processo criativo se baseia principalmente em anotar palavras, frases ou expressões que ouviu ou leu, que servem de inspiração à sua produção poética.
JORDAN se considera um escritor eclético, produzindo desde poesias mais contemporâneas até cordéis, receitas culinárias e poemas parnasianos. Sua maior referência literária é o escritor João Ubaldo Ribeiro, mas ele também cita autores como Marcelino Freire, Elisa Lucinda, Roberto Piva, Oliveira Silveira, Jefferson Tenório e Jericho Brown como influências.
O autor possui relações diferentes com cada um dos gêneros que publicou, a dramaturgia e a poesia: “Minhas peças de teatro, além de serem de uma outra linguagem, estavam dedicadas a temas muito mais burocráticos. Acho que nesse trabalho (“Dois preto Apaixonado na Cam a”) eu entro num campo mais subjetivo”.
Em relação à projetos futuros, JORDAN conta que pretende inventar uma nova linha temática na poesia, a “poesia afroexistencialista”, que ele define como “uma poesia que descongestione as nossas nóias.”
Confira um dos poemas de “Dois Preto Apaixonado na Cama”:
“Éramos dois homens pretos
se amando
e pro mundo
isso
era uma grande novidade
não existia
nem música
para o nosso amor…
nós não protagonizamos
nenhuma obra de arte”