Com atmosfera neo-noir e intensa ação, HQ narra amizade e vingança em uma trama envolvente, explorando tragédias e dilemas humanos sob o olhar de Cláudio Sérgio Alves Teixeira
“Entretanto, mesmo se eles existissem, apesar de suas vastas capacidades, os super-heróis e as super-heroínas jamais conseguiriam afastar por completo a ocorrência do mal; a pérfida natureza humana é uma represa cuja ruptura não se pode evitar, quando muito adiar ou falsear.”
Trecho da pág. 13
Cláudio Sérgio Alves Teixeira é leitor voraz desde criança e, ao longo da vida, sempre oscilou entre o mundo real e um imaginário. Aos 50 anos, o promotor de justiça, natural de Guarulhos, na Grande São Paulo, lança o segundo livro. Escrito diariamente ao longo de 18 meses, “HQ” (320 págs.), publicado pela editora Labrador, é fruto da necessidade de extravasar uma história sobre uma jornada vingativa que influi sobre as amizades que a entornam.
“HQ” é contado por Rafaelle Nakamura, um sujeito aparentemente comum. Dentista satisfeito, lutador amador e solteiro convicto, vive uma rotina sem grandes aspirações. Tudo muda quando a brutal morte de Bianca, filha de um amigo, desencadeia uma série de eventos que transformam sua vida. Entre encontros com figuras extraordinárias e revelações perturbadoras, Naka descobre que a realidade pode ser tão intensa quanto qualquer quadrinho.
Dimas, pai de Bianca, e o próprio narrador, são personagens que tentaram, de certo modo, negligenciar questões em busca de uma vida livre de preocupações. Mas, abalados pela tragédia, passam a encarar os acontecimentos em um processo que possibilita compreender melhor a própria amizade.
Narrada com humor mordaz e sarcasmo, a trama de “HQ” também evoca atmosfera neo-noir. Trata-se de um diário que acompanha os 21 dias que antecedem a tragédia em que o escritor procura reconstruir, através da obsessão de Nakamura, os detalhes do acontecimento em uma história que, entre outros temas, reflete a impossibilidade de passar ileso a conflitos, dúvidas e tragédias impostas pela vida.
“Algo dentro de mim fervilhava e buscava o mundo externo, daí nasceu o romance”.
Por meio de um vocabulário robusto e detalhista, Cláudio é capaz de conferir personalidade e substância a circunstâncias e personagens. Mesmo aqueles que resvalam de modo colateral na trama. O autor define sua escrita como “um estilo claro e objetivo, sem descurar do sarcasmo e dos jogos de palavras”.
O fluxo narrativo estabelecido desde as primeiras páginas irá capturar a atenção do leitor até seu desfecho com o epílogo. “Busquei a agilidade das histórias em quadrinhos, então há muita ação. Inclusive, a última palavra de cada capítulo é também a primeira do seguinte, uma forma de manter toda a trama encadeada e avançando sem perder o ritmo do que ocorria.”
Além da nítida reverência aos quadrinhos publicados por Alan Moore nos anos 80, o escritor, que apesar da formação em Direito, também já cursou Letras, carrega ainda em sua bagagem a influência de autores como o argentino Jorge Luís Borges, o brasileiro Rubem Fonseca e o americano F. Scott Fitzgerald.
Apesar de “HQ” se assemelhar ao gênero de romance policial, o autor não se prende a ele. “Não há mistério nele, por exemplo, tudo é claro e narrado para o leitor. Não importam tantos fatos misteriosos a serem descobertos, sim a reação das personagens aos fatos trágicos”, explica.
O lançamento converge com “Miragem”, publicado em 2021. No livro de estreia de Cláudio, uma jovem de invulgar beleza é igualmente encontrada morta. O que dá início a uma jornada de reflexão em torno das crenças e valores do personagem e de quem os acompanha ao longo da leitura.
Hoje, o escritor está focado em prosseguir com a divulgação de “Miragem” e do recente lançamento. Mas, tudo pode acontecer. Ele conta que não tinha planos para um segundo livro, quando, simplesmente começou a escrever e assim, nasceu “HQ”.
Leia um trecho de “HQ”:
“Na hora do sepultamento, Dimas deu o primeiro sinal de fraqueza, mas disfarçou bem. Tão logo eu o senti cambalear, abracei-o e o sustentei de pé, amparando seu corpo com o meu. Nesse instante, percebi que sua aparência tranquila não traduzia o torvelinho em seu interior; ele só não desmaiou porque precisava mostrar força para sua idosa mãe. E não era apenas por Bianca, eu iria saber futuramente. Quando o caixão com o corpo da filha estava sendo fechado, Dimas mirou pela última vez a face jovem dela, mas nada conseguiu dizer. A comoção dele e de dona Antônia, conquanto silenciosa, era sentida e partilhada por todos ao redor. O rosto negro e angelical da menina fez o povo inteiro chorar.” (pág. 70)
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