O compositor e músico paulistano Bruno Bruni encerra a primeira fase de sua carreira ao lançar o terceiro volume de uma trilogia que o fez aprender a compor e a usar o estúdio como instrumento de composição, agora à frente de uma big band

Um rufar de tambor marca um groove funky conduzido por um baixo gordo e por uma bateria precisa, que aos poucos vai sendo salpicado com pitadas de guitarra, até que um teclado passa a acompanhar o ritmo. É a senha para a entrada de um naipe de metais e da percussão que revelam o tamanho da banda que abre o terceiro disco de Bruno Bruni, fim de uma trilogia que o colocou no mercado fonográfico, na cena independente paulistana e no comando de todo o processo de produção de sua própria obra, da composição à produção.

Quando a primeira convidada de Broovin 3, a cantora Laura Lavieri, surge deslizando com sua voz cristalina na canção de abertura do álbum, “You’re Alive”, ela vem com uma espécie de carta de intenções deste novo trabalho: “Acho que tenho algo a dizer agora, só não sei por onde começar, achei que tivesse alguém para culpar, mas não me importo”, canta em inglês, “vou tentar ser um cara legal, mas só quero fazer as minhas paradas.” Enquanto o vocal da canção estabelece esse momento assertivo da carreira de Bruno Bruni enquanto lida com naipes de quatro trompetes, quatro trombones e cinco saxofones, que conversam com a banda-base (baixo, guitarra, bateria, percussão, piano e teclados) e com os vocais de Laura e do próprio Bruni, que se entrelaçam em solos paralelos, mudanças de tempo e andamento, num crescendo de quase sete minutos que reforça a principal característica deste disco: é um disco de big band.

Ao batizar cada um de seus primeiros discos com a mesma palavra inventada, que reúne a sonoridade de seu sobrenome ao termo “grooving”, que caracteriza o andamento das músicas, Bruni aos poucos foi descobrindo uma forma específica de compor, que nascia de exercícios ou estudos que vinha fazendo sobre métricas e ritmos para aos poucos ganhar forma de canção. A cada novo disco ampliava este conceito e agora parece ter chegado ao ponto máximo deste Broovin, justamente por reunir literalmente dezenas de músicos em várias faixas.

O processo começou quase solitário no primeiro disco, de 2018, quando chamou alguns amigos para tocar determinados instrumentos ao mesmo tempo em que segurou quase tudo sozinho. Era o início de sua relação com o estúdio para além do trabalho de engenheiro de som, quando começou a entender o local e os equipamentos de gravação como sendo tão importantes para o resultado final do processo criativo quanto cada um dos instrumentos musicais.

O segundo álbum, cujas bases foram gravadas em fevereiro de 2020, literalmente um mês antes da pandemia, o fez lidar com mais músicos, mas todos gravados de forma remota. Mas já era uma evolução considerável em relação ao processo quase solitário de seu disco de estreia. Broovin 2, lançado em 2021, reforçava que o caminho daquela forma de compor a partir de estudos tinha que incluir mais pessoas no processo.

Isso chega ao ápice neste terceiro disco, quando Bruni pode montar sua própria big band. Como seus maiores ídolos musicais – o alagoano Hermeto Pascoal e o japonês Koji Kondo (autor da trilha sonora do videogame Super Mario, que Bruni inclusive tem um espetáculo que a celebra) -, o compositor agora tem sua própria orquestra de groove particular, boa parte dela composta por compadres e comadres que viram esta evolução.

E para este disco de encerramento de ciclo, Bruni faz questão de ter convidados além da banda e assim reúne velhos e novos camaradas para dividir vocais pelo álbum: além de Lavieri na faixa de abertura, o disco ainda conta com vocais de Marina Marchi (em “Call Me” e “No Escuro”, esta uma regravação de uma música do primeiro disco), Marina Nemésio (“Sem Palavras”) e Guilherme Lirio (coautor e guitarrista em “Eu Erro Sempre”), além do próprio Bruni solar em (“Ela Sabe”). As parcerias vão além dos vocais e nomes como os saxofonistas Thomaz Souza e Anderson Quevedo, o baixista Felipe Pizzu, o baterista Vicente Pizzu, os percussionista Mateus Prado e Pedro Luce, que estiveram presentes nos discos anteriores, também voltam a participar deste novo trabalho. As amizades vão para além dos instrumentos tradicionais e continuam nas máquinas no estúdio e o disco é produzido por Bruni mas com as participações dos camaradas Gui Jesus Toledo, Nico Paoliello, Ana Frango Elétrico e Kassin, todos eles renomados produtores musicais brasileiros.

O disco também serviu para fazer Bruni aprender a trabalhar em grupo e observar como outros pontos de vistas poderiam inclusive melhorar arranjos, andamentos e melodias que achava que estivessem resolvidas em sua cabeça. Neste processo foi muito importante a participação da saxofonista catarinense Gaia Wlmer, que participa de quatro faixas, para quem o compositor ia mostrando várias das músicas em diferentes partes da criação, ouvindo suas opiniões para mexer nestas composições. A saxofonista também foi a conexão de Bruni com sua fase atual: graças ao seu incentivo e referências, ela conseguiu fazer que o músico começasse um curso de composição de jazz no New England Conservatory, em Boston, nos Estados Unidos, o que também acabou funcionando como uma forma de ele entender que este terceiro disco encerra uma fase de sua vida. Com este processo composicional dominado, agora é possível saber quais são os próximos passos do jovem maestro.

Alexandre Matias (www.trabalhosujo.com.br) é jornalista, curador de música e diretor artístico

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