O quarteto brasiliense da banda Base, criado em 2003 com o nome de Janice Doll, lança “Um Novo Recomeço” com oito faixas gravadas no Refinaria Estúdio e já disponível em diversas plataformas digitais
“Um Novo Recomeço”: esse é o sintomático título do novo trabalho da banda brasiliense Base – Paul Hodel (voz), Ian Bemolator (guitarra), Leonardo Krieger (baixo) e Fábio Krieger (bateria) -, gravado no Refinaria Estúdio, em Brasília, com produção musical de Guilherme Negrão, e já disponível em diversas plataformas digitais. Com oito faixas acústicas e as participações especiais de Pablo Fagundes (gaita), Tom Suassuna (violino) e Paulo Chaves (backing vocals), o álbum celebra os 20 anos do quarteto, formado em 2003 com o nome de Janice Doll.
A inspiração para as músicas vem do rock nacional, de nomes como Legião Urbana, Capital Inicial, Engenheiros do Hawaii e Plebe Rude. “Como seria o rock dos anos 1980 se uma banda estivesse gravando agora, com os recursos tecnológicos, a qualidade dos microfones, mídias sociais?”, indaga Paul Hodel. A partir desses questionamentos, a Base foi atrás de uma sonoridade mais limpa e polida, que pudesse “quebrar uma possível barreira do rock na atualidade, talvez voltando às origens”, completa o vocalista e principal compositor. O resultado é que a sonoridade adquire novos tons, com a adição de instrumentos como gaita e violino, e o brilho dos violões, em letras reflexivas sobre o cenário brasileiro contaminado por uma realidade político-social excludente e hostil.
A gravação foi feita à distância, já que Paul Hodel mora há 10 anos em Londres e os demais integrantes na capital federal. Três faixas – “Enquanto”, “Herói” e “A Vida é um Jogo” -, lançadas originalmente no EP “A Vida é um Jogo”, de 2017, foram retrabalhadas para “Um Novo Recomeço”. As cinco inéditas seguem a mesma linha em termos de estilo, consolidando um trabalho de composição com identidade bem definida – leia o “Faixa a Faixa” no final.
A capa minimalista é um belíssimo trabalho do artista espanhol Fran Nino e sintetiza o espírito da fase nova: um perfil feminino delicado que parece brotar do chão se ergue, queixo levantado e olhos no infinito, com a força e o carisma necessários para a concretização de um recomeço real. “Vencer não é alcançar objetivos, mas viver o percurso, por mais tortuoso que se apresente. Como num bom filme que se vê pela primeira vez, onde a surpresa é um elemento dominante”, filosofa Paul Hodel, que estará em Brasília entre julho e agosto próximos para os trabalhos de divulgação do novo álbum.
SOBRE A BANDA
A Base foi criada oficialmente em 2017, mas os integrantes são velhos conhecidos do público brasiliense. Paul Hodel e os irmãos Léo e Fábio Krieger gravaram dois álbuns em inglês (“Silent Seasons”, de 2007, e “Leave the Future Behind”, de 2008) com a banda Janice Doll, criada em 2003.
Em 2008 eles foram para a Inglaterra, mas não puderam ficar no país. Barrados pela imigração, voltaram ao Brasil na companhia do lendário produtor britânico Stuart Epps (que já trabalhou com Elton John, Oasis e Led Zeppelin, entre outros) para gravar “Leave the Future Behind” no estúdio brasiliense Daybreak, de Philipe Seabra, vocalista da Plebe Rude. Tocaram em festivais importantes como “Rolla Pedra” e “Porão do Rock”, mas os contratempos impediram que a Janice Doll tivesse vida longa. O último show foi em 2012.
Em 2013, Paul Hodel, que tem cidadania francesa, foi para os Estados Unidos e, em seguida, para a Inglaterra. Três anos depois, ele conheceu o guitarrista Ian Bemolator, que também havia saído de Brasília e se casado com uma polonesa. Em junho de 2017 a dupla voltou ao Brasil e se juntou aos irmãos Krieger para a gravação do EP “A Vida é um Jogo”, com cinco faixas em português, gravadas no estúdio Blue Records, e adotaram a nova alcunha: Base.
Além do disco, o encontro resultou na gravação de dois videoclipes: “A Vida é um Jogo” e “Herói”, que contaram com os apoios do hotel Meliá Brasil 21 e da Terracap, órgão do governo do Distrito Federal. “A ironia do destino foi passar oito anos de banda cantando em inglês tentando ir pra fora. Agora morando na Inglaterra e cantando em português eu me vejo querendo voltar para minha querida cidade natal. Brasília é linda e serve de inspiração”, finaliza Paul Hodel.
OUÇAM “UM NOVO RECOMEÇO”
www.open.spotify.com/album/3ZejefOb2jAHjsSmkapBhk
www.youtube.com/watch?v=3y_5zk5futg&t=523s
VEJAM
“A Vida é um Jogo” – www.youtube.com/watch?v=
“Herói” – www.youtube.com/watch?v=
SAIBAM MAIS
www.base.mus.br
www.instagram.com/paulhodel
www.facebook.com/bandabase1
FAIXA A FAIXA (por Denise Duarte)
1. “Inevitável” (Paul Hodel)
Nos segundos que se sucedem à entrada da bateria e guitarra, logo na introdução, a gaita solo dá o clima da melodiosa faixa, anunciando que “agora a verdade é só questão de opinião” – um pensamento que sintetiza o clima belicoso ditado pela intolerância, a visão do adversário como inimigo e a enxurrada de fake news que ora vivenciamos e que nos adoecem como sociedade. A bateria consegue o feito de mexer com as ideias de um jeito delicioso, em contraste com a inquietude da letra, a nos lembrar que o fato de não darmos as mãos explica a nossa ruína. Ainda que atual para os dias recentes, a faixa soa como um revival oitentista, com versos familiares (“Nossos sonhos são os mesmos, mas se perdem detalhes que nem vemos”. “Tudo fica sempre pro final”. “O medo de chegar disfarçado de promessas distrai, e quando a gente vê só atrasa o inevitável”). A beleza da gaita solo cria uma atmosfera que contribui para a assimilação dos versos e traz a sofisticação que se torna o grande diferencial do disco.
2. “Tarde Demais” (Paul Hodel)
Num ritmo cadente, “Tarde demais” fala de “um mundo que não existe na real” e “insiste em nos enganar”. Um tempo de não se reconhecer no espelho, de sentidos embotados (“Sinto um pouco de tudo e em poucos segundos não me lembro mais”) e desesperança, em que os sonhos vão sendo adiados até que se mostram inviáveis, o que “a gente só percebe quando é tarde demais”. O solo de guitarra alcança uma sonoridade diferente em relação às demais faixas, injetando uma dose extra de energia.
3. “Vale a Pena” (Paul Hodel)
Na abertura suave, violões e guitarra são partícipes de uma conversa que primeiro cumprimenta o ouvinte para, então, enunciar uma séria de aconselhamentos. “Fuja e nem mesmo pense em voltar atrás”. “Nunca apague a faísca”. “Invente uma nova luta”. “Faça parte de uma festa daquelas que você não se lembra, mas valeria a pena se lembrar”. O violino eleva o tom e o riff da guitarra é dançante. Aqui se percebe uma citação a “Tempos modernos” (Lulu Santos) com a antevisão de uma vida melhor no futuro. Que valha a pena. Eis a ideia que o coro repete. E a bateria-coração pulsa até o ponto final. “Perfeito!”, a voz de Paul Hodel encerra.
4. “Enquanto” (Paul Hodel)
Nesta regravação da canção escrita em 2017, a letra original sofreu alterações. Um desses versos novos merece registro: “Quanto mais a gente fala, mais esquece o que dizer”, lembrete importante para os verborrágicos dias atuais, em que se fala tanto sem nada dizer. Lembrando que “o mundo não para” e que “nossa vida é uma história contada na TV”, com “um final feliz ou um filme sem final”, a letra cita Lenine – “Enquanto o tempo acelera e pede pressa” -, e dá continuidade à ideia: enquanto o coração não para, enquanto o ar escapa, enquanto o relógio atrasa… Segue-se um solo de guitarra, num crescente, e então um término abrupto acentua a ideia de finitude. Aproveitar e não desistir são as mensagens que os versos guardam.
5. “Herói” (Paul Hodel)
A linha de baixo inicial introduz o clima muito anos 1980 da faixa, também uma regravação, com bateria mais pesada. A letra original brincava com ideias contraditórias: “Eu me perdi em um papel de herói” e “Eu me encontrei em um papel de vilão”. Desta vez, canta-se “Não me encontrei em um papel de vilão”. Os demais antônimos são mantidos – “O chato de acertar foi quando eu errei”; “Eu me encontrei ao desistir de procurar” -, e apontam para a complexidade e contrariedade da própria vida. Mais uma vez, a palavra “espelho” é mencionada (“Eu me enganei e para o espelho eu acenei”), repetindo a função de alter ego. Num determinado trecho, a canção modula. A aspereza da voz de Paul Hodel, por sinal um pouco mais contida em relação a registros anteriores, logo após a menção à busca de “um jeito de não se afogar”, sugere, contudo, um afogamento inevitável: a “água” provocou um engasgo e já não se respira – e assim termina a música, sem continuar a repetir o refrão.
6. “Será?” (Paul Hodel)
“A perfeição é a sua cara. Qual é mesmo a importância disso tudo?”, indagam os versos. Mais uma canção reflexiva, que deixa outras perguntas no ar (“Será que o que falta é coragem?”). Os versos mais importantes, no entanto, são afirmativos: “O progresso não nos deixa atalhos e o futuro já encontra fila”. Outros recados são dados: “A razão se confunde no absurdo (…) e se arrasta sem vontade”, e “A verdade não escolhe um lado, (…) mas nem sempre é o bastante”. Tudo aponta para uma realidade com disputa pelas certezas e mergulho em ilusões. No meio de tudo, uma confissão na primeira pessoa do plural: “Tentamos tanto, e esquecemos de tentar”.
7. “A vida é um Jogo” (Paul Hodel)
Na regravação da canção mais emblemática da banda, cujo título nomeia o disco anterior, a letra permaneceu inalterada. “A vida é um jogo com a impressão de uma virada que nunca vem”, diz o refrão que os fãs da banda conhecem há tempos. Destacam-se uma bateria bem marcada e um belo solo de guitarra. A canção adquire contornos progressivos no final – uma sutileza floydiana, mas ainda passível de ser captada por ouvidos distraídos.
8. “Frases que Perderam a Cor” (Paul Hodel)
O lirismo do título casa bem com a faixa mais melodiosa e o som da gaita novamente presente, folk e latina, suave como o sopro de uma voz interior. “Estamos cansados de ouvir frases que perderam a cor”, avisam os versos iniciais. “Às vezes a valsa vai, mas o que precisa é mudar o tom”. Mudar o tom – eis a resposta-resumo para todas as faixas anteriores. Para ver um sol saindo. De olhos fechados não se vê o sol. A gaita pontua o fôlego que se consegue obter diante da pequena constatação. Pode-se ouvir, no subconsciente e nas notas jogadas, o velho refrão: “I wanna know: have you ever seen the rain?”. Ao assimilar a sinestesia, e assumir o desalento em continuar a ouvir as frases desbotadas de sempre, é como se também fôssemos perdendo a cor. Fading out, como num sonho do qual se desperta lentamente. Soa Floyd, também, a finalização da faixa, um sussurro que deixa sua mensagem subliminar – a de uma despedida… uma partida, talvez?… para sempre?… para onde?