Em “A terceira margem da folha”, Thiago Arantes mistura realismo fantástico e reflexão filosófica, convidando os leitores a se reconectarem com a leveza e profundidade da literatura
Thiago Arantes é advogado, professor universitário e celebrante de casamentos, mas o que gosta mesmo é de escrever. Apaixonado pela literatura desde a infância, ele lê livros como uma maneira de continuar reencontrando o amor pela vida e agora busca transmitir esta relação para outras pessoas a partir do livro A terceira margem da folha.
Em 12 contos, ele se inspira em autores clássicos como Gabriel García Márquez, Jorge Luis Borges, Murilo Rubião e Júlio Cortázar para refletir sobre temas como entraves pessoais, arrependimentos do passado, desilusão, compreensão sobre a morte e julgamentos. “Eu espero, com toda força possível, que, ao final de cada conto, o leitor possa ter a sensação nítida de que a estória narrada é crível, por mais incrível que soe. Explico-me: cada narrativa traz consigo pretensas reflexões”, afirma o autor.
Na entrevista abaixo, Thiago Arantes detalha mais informações sobre o lançamento, reflete sobre o poder do conto para narrar histórias e recorda o início como escritor. Leia:
1 – O realismo fantástico tem raízes na literatura latino-americana. Como essa tradição literária influenciou sua escrita?
Thiago Arantes: Cortázar, Jorge Luis Borges, Murilo Rubião, Gabriel Garcia Márquez, Ruan Rulfo… Eu tenho muito orgulho destes escritores serem latino-americanos, porque é o que são: grandes escritores. Exemplifico: Cortázar tem um dos textos mais envolventes que conheço – não deixamos um conto até que o finalizamos. Já Borges ampliou meus horizontes da escrita de uma forma impensável – realidade, ficção e disfarçadas (falsas) informações abraçadas em suas linhas. Eu acredito que minha escrita caminhe mais pela prosa poética, porque o poeta nasceu antes e vive continuamente. Seja o que quer que escreva, em qualquer gênero, a poética, acredito, será a tônica.
2 – Seu livro mistura elementos de realismo fantástico com o cotidiano. Como essa combinação pode afetar a percepção do leitor sobre a vida?
Thiago Arantes: Eu espero, com toda força possível, que, ao final de cada conto, o leitor possa ter a sensação nítida de que a estória narrada é crível, por mais incrível que soe. Explico-me: cada narrativa traz consigo pretensas reflexões e, no meu sentir, perceptíveis. Assim, o que “sobra na língua para degustar” são as meditações sobre o que conto. “Engasgo”, por exemplo, é uma mensagem bastante direta: diga o que quer ou isso vai te sufocar em algum momento. A aplicação da alegoria do texto à vida cotidiana é direta. Portanto, o contexto “fantástico” é apenas um pano de fundo para refletir sobre a vida.
3 – Seus contos lidam com questões filosóficas e metafísicas profundas. Como você equilibra a profundidade desses temas com a necessidade de manter a narrativa envolvente e acessível para o leitor?
Thiago Arantes: Acredito que o conto, por si só, seja um elemento que agrega nesse sentido. Os contos são curtos e, na prescrição de Jorge Luis Borges, mantém aquilo que é essencial. Poderia dizer que a prosa poética é um diferencial, mas aqui podemos encontrar refratários ao estilo preferindo uma descrição mais objetiva como Hemingway. Cortázar também tem uma frase emblemática: “o romance ganha por pontos, mas o conto deve ganhar por nocaute”. Portanto, muito embora os temas caminhem, sim, por estas questões de alta indagação e reflexão, a narrativa há de ser envolvente para não enfadar um leitor. O texto deve ser lido em um fôlego só. Espero que meus contos tenham esta qualidade.
4 – Além do realismo fantástico, que outras características literárias o leitor pode encontrar na sua obra?
Thiago Arantes: Muito embora tenha narrativas essencialmente literárias, no sentido de serem estórias, a maior parte dos contos aborda um aspecto metafísico e filosófico. Também passa temas naturais e essenciais ao ser humano, como vida, morte, destino, nossos entraves pessoais, julgamento, arrependimento, desilusão…
Uma curiosidade não proposital é que, à exceção de um conto, meus personagens não têm nome. Eles nascem assim, e quem sou eu para querer modificá-los? Pensando sobre isso recentemente, acredito que, talvez, por alguns contos tratarem de temas elementares a todas as pessoas, o leitor pode se sentir como a personagem do conto.
Outra condição que posso destacar também é que os lugares onde se passam os contos são bastante variados e, na maior parte, também não identificados. As estórias, portanto, podem se passar no imaginário dos leitores, em algum lugar que a memória (de um rio, de uma rua, de um bairro) lhes faça referência.
5 – Você já publicou um livro de poesia e agora estreia na literatura de ficção, com os contos de “A terceira margem da folha”. Como surgiu esta veia literária?
Thiago Arantes: Aos doze anos de idade, em uma aula de redação particular que tinha após o colégio, enquanto todos reclamavam à minha volta, eu segurei uma página em branco e disse a mim mesmo: “Não sei o que vou ser nesta vida, mas serei um escritor”. Lembrei dessa cena, adormecida, em um momento muito delicado de minha vida. A partir dali, voltei a escrever, embora meu tempo seja escasso, e isso culminou no livro.
Fato é que eu sempre li muito. Tenho uma medalha, de 1993, que recebi por ser a pessoa que mais leu na escola. Comecei a escrever, primeiro, textos esparsos, poemas e, a partir dos anos 2000, em diversos sites e revistas da região, com crônicas principalmente.
A literatura sempre foi uma tábua de salvação na minha vida, e esse desejo-profecia aconteceu bem cedo em minha vida. Escrevo porque preciso, sem ter que ter um “porquê”. Mecânica da alma é coisa injustificável. Com toda sinceridade do mundo: não estou querendo “mistificar” a coisa. Foi assim. É assim.
Sobre o autor: Thiago Arantes nasceu em Patos de Minas, Minas Gerais. Escreveu poesias, contos e crônicas para diversos jornais e sites da região. Além de autor e compositor, é professor universitário, advogado e celebrante de casamentos. Pai do Bernardo e do Gabriel, tem na literatura e na música suas maiores paixões. Publicou o livro de poesias Lágrimas Latinas, Lacívias Linguísticas e teve um poema incluído na Antologia Sarau Brasil 2021. A terceira margem da folha é sua estreia no gênero da ficção e contos.
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