O livro A Escola do Medo – Vigilância, repressão e humilhação nas escolas militarizadas de Dioclécio Luz, jornalista pernambucano, autor de uma dezena de livros e que mora em Brasília há mais de três décadas. Em A Escola do Medo, o escritor trata de um fenômeno moderno: a invasão das escolas públicas por militares. “Eles assumem a gestão do espaço e impõem aos estudantes uma disciplina de quarteis”, diz o autor.

Este novo livro de Dioclécio resulta de quatro anos de pesquisa aprofundada. Para escrever o ensaio jornalístico, Luz consultou extensa bibliografia, teses e dissertações acadêmicas, acessou publicações oficiais, visitou escolas militarizadas e entrevistou estudiosos e pesquisadores. Também acompanhou assembleia, que selou o destino militarizado de escola pública e de seus jovens discentes, e entrevistou personagens envolvidos – professores, alunos, diretores e militares.

Há outras publicações que tratam do mesmo tema, mas, em sua maioria, constituem-se estudos acadêmicos – assim, têm focos específicos de abordagem. A Escola do Medo, no entanto, é um trabalho jornalístico com a liberdade de refletir sobre elementos já abordados por outros autores, sintetiza algumas questões, traz novas abordagens sobre o que já foi dito e aprofunda-se em temas associados.

O título do livro aponta o sentimento presente nesse modelo educacional, onde crianças e adolescentes são monitorados e reprimidos ao longo de todo o turno escolar por militares fardados. “A primeira impressão que estudantes têm quando chegam numa escola dessas é que não são mais donas e donos do seus corpos”, relata Dioclécio.

Ao assumirem a gestão de uma escola, militares impõem um regime disciplinar rígido, que prevê punições e estabelece regras, “que não fazem qualquer sentido”, avalia o autor, que aponta algumas: “os cabelos devem estar sempre presos e é proibido pintá-los ou deixar crescer; não pode usar piercing, colar e brincos maiores; a cor das unhas e do batom deve ser aprovada; não pode abraçar, muito menos beijar”. Ainda, se tem evento com alguma autoridade da força militar, estudantes são obrigados a comparecer e a prestar continência.

Escolas militarizadas estão presentes em praticamente todas as Unidades da Federação. Só no Goiás, são cerca de 60 e planejam chegar a 90. Na Bahia, já foram implementadas 98 delas e outras 18 estão planejadas, enquanto no Paraná o governo local planeja implementar 200 e no Distrito Federal o GDF entregou uma dúzia.

Sem respaldo legal

Tais imposições são ilegais e sem amparo de qualquer Lei Federal. Segundo o autor, “forçar crianças, à submissão e a esse regime humilhante, fere o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”. Esse modelo também afronta o Art. 5º da Constituição, ao invadir a seara da privacidade e intimidade do outro, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (nº 9.394/1996).

Na verdade, não há Lei dando sustentação a tal atropelo educacional, a essas ‘anti-escolas’, porque ela é contrária a todos os princípios da educação – como denomina a professora Catarina Santos, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Além do quê, Ministério da Educação e Secretarias de Educação, estaduais e municipais, “renunciam à missão constitucional de promover uma educação pública ao implementarem esse projeto”, avalia Dioclécio.

Racismo estrutural

Para o autor, as escolas militarizadas são um exemplo da prática de racismo estrutural por parte do Estado, “pois atuam no controle da periferia pobre e negra”. No livro, ele mostra como a política de Segurança do Estado fracassou – pelo menos a que deveria existir – e então foi construída uma política para dominar a periferia na escola.

O objetivo, dizem os governantes, seria garantir a segurança desses e dessas jovens. Muitos pais e mães, segundo Luz “aceitam o modelo na esperança de que nelas [as escolas] – ‘pelo menos’ – os filhos possam estar em segurança. Desconhecem, porém, que, de acordo com a Constituição Federal, a garantia de segurança de toda a comunidade, onde inclusive a escola está inserida, é responsabilidade do Estado”.

O autor também destaca que o regime nos Colégios Militares, sob o comando das Forças Armadas, Exército, Marinha e Aeronáutica, não difere muito do empregado nas escolas militarizadas. “A diferença é que os Colégios Militares têm recurso farto, logo, o corpo docente é mais bem remunerado e a estrutura e equipamentos são de excelência”, detalha. O de Brasília, por exemplo, ocupa 240 mil metros quadrados na área central da cidade é e frequentado por pessoas brancas e de classe média, em sua maioria.

Identificação com regime autoritário

Em A Escola do Medo, compreende-se que os militares estão nas escolas empregando algo que se aproxima da disciplina “Moral e Cívica”, adotada após o golpe de 1964. Civismo, por exemplo, resume-se a amar a pátria, cantar o Hino Nacional, obedecer às autoridades constituídas. Sobre a formação acadêmica dos Militares, o autor explica: “é vertical onde o superior dá um comando autoritário e os demais seguem, não conseguem entender que a democracia se faz pela horizontalidade, quando todos e todas têm direito à contestação”.

Sobre a formação no quartel, a professora Catarina Santos aponta ser baseada no castigo, como se percebe nas formas exaustivas de treinamento. “Dentro do quartel existe um conjunto de regras e normas estabelecidas de forma vertical. Não são os sujeitos que discutem e estabelecem essas normas. Existem patentes. E essa patente militar estabelece para os que estão em postos inferiores que precisam atender a essas ordens. Se essas pessoas abaixo não cumprem estritamente o que foi determinado elas são punidas. Podendo chegar ao último grau de punição, que é a expulsão da corporação. Essa pedagogia é literalmente baseada no medo e na obediência; ou na obediência pelo medo”, descreve a educadora.

Sem sustentação pedagógica

Há ainda o claro desvio de função, pois militares não são preparados para lidar com a complexidade de um ambiente educacional. A formação não os habilita a serem professores, tampouco gestores de escolas. Ignorantes quanto ao papel pedagógico do educador, o autor dispara, “reproduzem o quartel que conhecem e usurpam toda e qualquer liberdade democrática de escolha e opinião”.

No livro, Dioclécio Luz mostra, inclusive, que as escolas militarizadas funcionam como ‘mini quartéis’. As crianças são tratadas como soldadinhos, onde prestam continência ao sargento, devem cumprir as ordens das autoridades, sem questionar, e cantam o Hino Nacional. “A questão é que não são adultos e, portanto, jamais deveriam estar submetidos a um regimento disciplinar que foi pensado para soldados, que se preparam para combate ao crime”, pondera.

A PM chega na escola e diz que vai garantir a disciplina, “não”, contesta a professora Catarina. “Disciplina é algo que tem a ver com construções de regras e normas de convivência social, tem a ver com respeito. Assim: eu construo formas de viver em sociedade de forma respeitosa, respeitando os outros. E nesse diálogo a gente constrói disciplina. Eu chego na sala de aula e indago para os alunos porque precisamos de disciplina. ‘Olha a gente está aqui num processo de aprendizado, eu preciso respeitar o colega, eu preciso ouvir, preciso poder falar,…’ Então, você vai construindo essas normas dentro da escola e assim se constrói a disciplina”, explica a cátedra de educação.

Sem qualificação acadêmica

O autor revela que não encontrou um só artigo científico ou dissertação de mestrado ou tese de doutorado, que qualificasse o modelo. Isto é, nenhuma Faculdade de Educação do Brasil o aceita. Todos os estudos pesquisados, sem exceção, fazem duras críticas.

“Se nenhuma Faculdade de Educação do país aprova, por que, apesar disso, há centenas dessas escolas funcionando no Brasil? Como os militares conseguiram convencer governos ideologicamente à esquerda e à direita da necessidade de implantar essas antiescolas?”, questiona o escritor.

Sobre o autor

Dioclécio Luz é pernambucano. Mora em Brasília há 30 anos. Tem formação em engenharia elétrica (UFPE) e mestrado em Comunicação (UnB). Já atuou como repórter, fotógrafo, dramaturgo, agricultor, radialista, roteirista de vídeo, professor de matemática, escritor e jornalista. Por quase 20 anos trabalhou na Câmara dos Deputados na assessoria técnica de alguns parlamentares. É autor de uma dezena de livros, abordando os mais diversos temas: reportagens (“Roteiro mágico de Brasília”), rádios comunitárias (“O radiojornalismo nas rádios comunitárias”), meio ambiente (“A máfia dos agrotóxicos e a agricultura ecológica”), contos (“O diabo modernista”), crônicas (“Vida e obra do acaso), memória (“Memória da semente”), entre outros. Faz rádio (programa “Canta Nordeste”) e mantém um podcast sobre literatura (“Livraria da praça”). Contatos com o autor: [email protected].

A Escola do Medo
Capa do livro A Escola do Medo | Imagem: Ilustrativa

Ficha Técnica

Livro: “A Escola do Medo: Vigilância, repressão e humilhação nas escolas militarizadas”
Autor: Dioclécio Luz
Número de páginas: 400
Editora: Tanto Mar Editores
Formatos: impresso e ebook
Vendas online em: www.tantomareditores.com/escola-do-medo
Contato com o autor: [email protected]