Cuba com Fé, exposição de Gabriela Sánchez, chega a Brasília no Quanto Café, explorando o sincretismo religioso entre a devoção cristã e religiões afro-cubanas

Cuba e Brasil dividem segredos de família pouco conhecidos fora dos dois países. Um deles é o sincretismo praticado entre a devoção cristã e religiões de origem afro como a Santería que tem origem Yoruba. A explicação histórica descende de uma tragédia. Famílias africanas escravizadas eram separadas ao meio.

Metade ficava no Brasil e metade dos membros da mesma família eram enviados para Cuba. A trágica prática aproximou as culturas de ambos países que podem ser ouvidos tanto nos tambores festivos do samba e da salsa, mas também se expressa na fé religiosa que se mescla com a devoção entre Santos sincretizados em Orixás. Cuba com Fé, a exposição que ocupa o Quanto Café (CLN 103 Norte) entre 26 de abril e 31 de maio.

A fotógrafa e artista plástica cubana Gabriela Sánchez teve os primeiros contatos com o sincretismo religioso ainda quando criança. “Na casa da minha avó, um pequeno altar reunia fragmentos de crenças e devoções: a figura de um índio, uma cigana, a Virgem da Caridade do Cobre (Oxum), a Virgem de Regla (Iemanjá) e, entre elas, a pequena estátua de São Lázaro com seu cachorro — o sincretismo com Obaluaê”, relembra.

Desde 2019, Gabriela registra a peregrinação de São Lázaro — um percurso de quilômetros feito por pagadores de promessa rumo a El Rincón, um povoado localizado ao sul de Havana. “Vi pessoas percorrerem quilômetros descalças, outras se arrastando, cumprindo promessas há anos guardadas. Ali entendi que a devoção a São Lázaro não era apenas um ato de súplica, mas um pacto com a resistência e com a esperança”, explica. San Lázaro, o santo das chagas e dos cães é sincretizado com o orixá Babalú Ayé, senhor da doença, da cura e do limite entre a vida e a morte.

A Santería, a religião afrocubana, é uma das estratégias de resistência cultural mais importantes feitas por populações de escravos em Cuba. Os “orishas” em Cuba e “orixás” no Brasil são devotados por sua força, persistência, bondade e sabedoria. “Ambos processos de sincretismo religioso, tanto no Brasil com o Candomblé e em Cuba com a Santería, têm uma raiz comum com o processo de colonização e escravização. Durante a colonização, os colonizadores impuseram o catolicismo como religião oficial, ao passo que as práticas religiosas africanas foram perseguidas. Diante da repressão, os escravos africanos buscaram maneiras de ocultar suas crenças, fundindo-as com figuras do catolicismo”, explica Gabriela.

O Quanto Café mantém espaço dedicado a artes desde 2021, local onde hoje funciona a torrefação própria da cafeteria, o cantinho é vivo, misturando trabalho e contemplação na mesma atmosfera. “É sempre emocionante receber as artes visuais, em geral, mas desta vez tempos interesse humanitário específico : chamar atenção para o povo cubano , reativar o olhar para a amizade que sempre existiu entre brasileiros e a população daquela ilha, independentemente de radicalismos políticos de um extremo ou outro. Cuba viveu um boom na mídia e , pós-pandemia, percebemos que isso veio desbotando, de certa forma”, acredita Gustavo Pimentel, sócio e barista do Quanto..

Sobre Gabriela Sánchez

Gabriela Sánchez (Havana, Cuba, 1991) é fotógrafa e artista visual formada pelo Instituto Superior de Arte de Havana, onde estudou Direção de Fotografia e complementou sua formação com História da Arte.

Sua obra transita entre o íntimo e o coletivo, explorando a herança cultural, os rituais e as identidades tecidas ao longo do tempo. Através da imagem, constrói pontes entre memórias familiares e narrativas sociais.

Entre suas séries de destaque está “Legado”, um estudo visual sobre as mulheres de sua família que revela como os padrões tradicionais — transmitidos de geração em geração — moldaram suas identidades e ofícios, tornando-se um espelho de resistência e reinvenção.

Outra série, “A Arte da Espera”, documenta aqueles que envelheceram em Cuba, resistindo sem emigrar, enquanto aguardam transformações e mudanças sociais. Já seu trabalho sobre a religião afro-cubana — inspirado nos rituais herdados de sua avó — explora a identidade como cerimônia e a memória como prática compartilhada.

Seu trabalho já foi publicado em meios como a Vice e reconhecido com o Prêmio Caracol pelo telefilme Sal. Atualmente, desenvolve um projeto que investiga os diálogos entre tradições espirituais de raízes africanas, examinando suas expressões rituais e seu papel na construção de identidades comunitárias dentro e fora da ilha

Sobre Maria Luisa Nunes da Cunha

Produtora, fotógrafa e curadora da exposição

Advogada respeitada e admirada na capital Federal, Maria Luisa Nunes da Cunha trilha o caminho do artesanal e social por opção em tudo que faz. Adepta da chamada “advocacia artesanal”, onde a estratégia é cuidadosamente construída sob medida para cliente, Malu ocupa-se também de observar o cotidiano, na inquietude de compreender o ser humano. No Quanto Café, essa jovem brilhante e humanista cuiabana de nascimento, ocupa espaço de destaque na cozinha: desde os 5 anos de idade Malu é culinarista e cozinheira. Ampliando o seu portifólio de experimentalismos e inspeção da alma humana, sua base política, Malu hoje nos brinda com sua mais nova forma de honrar e jogar luz no ser humano: a fotografia.

Nesta mostra, onde o íntimo da fé é também um ato político, Malu adentra lares cubanos e converte o intangível da fé em imagens concretas de altares singelos coabitados por orixás, santos católicos e bonecas congas.

SERVIÇO

Cuba com Fé
Exposição de fotos de Gabriela Sánchez com curadoria de Maria Luisa Nunes
Visitação, de 26 de abril até 31 de maio, no Quanto Café (CLN 103, Bl. A, Térreo, Asa Norte, (61) 99987-3188). Horário de funcionamento do Quanto Café, das 08h às 20 h. Sábados e feriados, das 09h às 19h. Livre. Gratuita